domingo, 4 de março de 2012

EBD: janeiro a abril de 2012 - PERSONAGENS BÍBLICOS

EBD - Janeiro a abril  de 2012 - ONZE PERSONAGENS BÍBLICOS

APRESENTAÇÃO

            Queridas companheiras, queridos companheiros, estamos iniciando mais um ano letivo em nossa EBD. Nesta primeira revista de 2012, que vai de fevereiro a abril, estudaremos alguns personagens bíblicos. Quero chamar a atenção de vocês para o fato de que a proposta não é estudar uma biografia completa de cada personagem, mas uma parte da vida de cada um, um recorte apenas. Minha proposta também não é simplesmente “queimar o filme” de alguns personagens ou enaltecer outros. A ideia é mostrar que, assim como nós, eles não foram perfeitos.
            Não estamos analisando, neste pacote de lições, apenas personagens mais importantes, apenas os de grande expressão ou ainda aqueles que são citados costumeiramente em sermões como elementos quase perfeitos. Aqui, vamos de Abigail, pouco citada, a Davi, apresentados por muitos como “o cara”, passando por Saul, visto por muitos como um elemento “do mal”, mas não é assim que ele é tratado aqui.
            Enfim, queridos e queridas, a ideia é aprendermos com os erros deles e copiarmos os modelos que deram certo, aperfeiçoando esses modelos.
            A linguagem, vocês já conhecem. E por garantia, já vou pedindo perdão se me excedi. Quero ouvir vocês sobre este material, quero adequar a linguagem, quero acertar,  mas não posso mudar o estilo, sob pena de deixar de ser eu. Como diz uma certa música do cancioneiro popular brasileiro: “...eu quero apenas que você me aceite do jeito que sou...”
            Estou a sua disposição para críticas, sugestões, elogios e um dedinho de prosa, pessoalmente, através do celular (22-8835-6861), do e-mail (isacmoura@gmail.com), do facebook e do Orkut. Fique a vontade, mas lembre-se, como diria o Baby, aquele monstrenguinho da Família Dinossauro, “você precisa me amar.” Bom, eu amo vocês... assim mesmo do jeito que são: uns mais liberais, outros mais conservadores, uns mais próximos, outros mais “distantes”, uns mais de esquerda, outros mais de direita, uns calvinistas, outros arminianos. Que importa tudo isso? Importa que em Cristo somos um, e que ser diferente é muito normal. Eu amo vocês e pronto. Beijos para os beijáveis, abraços para os abraçáveis e ótimos estudos, debates, discordâncias, CRESCIMENTOS.  (Isac Machado de Moura)


LIÇÃO 01  -  05/02/2012

GIDEÃO, SUA AUTO-ESTIMA COMPROMETIDA, SEU CHAMADO E SUA SUPERAÇÃO

JUÍZES 6

11  Então o anjo do SENHOR veio, e assentou-se debaixo do carvalho que está em Ofra, que pertencia a Joás, abiezrita; e Gideão, seu filho, estava malhando o trigo no lagar, para o salvar dos midianitas.
12  Então o anjo do SENHOR lhe apareceu, e lhe disse: O SENHOR é contigo, homem valoroso.
13  Mas Gideão lhe respondeu: Ai, Senhor meu, se o SENHOR é conosco, por que tudo isto nos sobreveio? E que é feito de todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o SENHOR subir do Egito? Porém agora o SENHOR nos desamparou, e nos deu nas mãos dos midianitas.
14  Então o SENHOR olhou para ele, e disse: Vai nesta tua força, e livrarás a Israel das mãos dos midianitas; porventura não te enviei eu?
15  E ele lhe disse: Ai, Senhor meu, com que livrarei a Israel? Eis que a minha família é a mais pobre em Manassés, e eu o menor na casa de meu pai.
16  E o SENHOR lhe disse: Porquanto eu hei de ser contigo, tu ferirás aos midianitas como se fossem um só homem.
17  E ele disse: Se agora tenho achado graça aos teus olhos, dá-me um sinal de que és tu que falas comigo.
18  Rogo-te que daqui não te apartes, até que eu volte e traga o meu presente, e o ponha perante ti. E disse: Eu esperarei até que voltes.
19  E entrou Gideão e preparou um cabrito e pães ázimos de um efa de farinha; a carne pôs num cesto e o caldo pôs numa panela; e trouxe-lho até debaixo do carvalho, e lho ofereceu.
20  Porém o anjo de Deus lhe disse: Toma a carne e os pães ázimos, e põe-nos sobre esta penha e derrama-lhe o caldo. E assim fez.
21  E o anjo do SENHOR estendeu a ponta do cajado, que estava na sua mão, e tocou a carne e os pães ázimos; então subiu o fogo da penha, e consumiu a carne e os pães ázimos; e o anjo do SENHOR desapareceu de seus olhos.
22  Então viu Gideão que era o anjo do SENHOR e disse: Ah, Senhor DEUS, pois vi o anjo do SENHOR face a face.
23  Porém o SENHOR lhe disse: Paz seja contigo; não temas; não morrerás.

GIDEÃO E SUA AUTO-IMAGEM

Gideão, tadinho do bichinho, tinha uma auto-estima muito baixa em função do medo que tinha dos midianitas. Desde cedo fora treinado a temer esse povo. Mesmo assim, Deus o chamou, e olha que barato: sua chamada era exatamente para enfrentar, para combater os midianitas.
Não quero parecer um escritor de auto-ajuda, mas preciso dizer que precisamos enfrentar nossos medos. Sozinho, ele não conseguiria, mas Deus o chamou, e observe que Deus o chama no exato momento em que ele está preparando o trigo para escondê-lo dos midianitas. Ele devia estar com medo, com raiva, muito chateado. E então aparece  o anjo do Senhor e o chama de “homem valoroso”. Uma palavra pode mudar uma vida. Para o bem ou para o mal. “E desde Moisés se sabe que a palavra é divina...” (Clarice Lispector).  O anjo do Senhor, ao falar com Gideão, não potencializou seu medo, sequer falou dele. Ele potencializou uma outra característica que Gideão já nem devia lembrar que tinha: valoroso, corajoso... A reação de Gideão é óbvia: “peraí, companheiro anjo, você deve estar brincando comigo, o sedex de Deus deve ter vindo para o homem errado. Ô, seu anjo, eu estou preparando esse trigo para esconder dos nossos opressores para não morrermos de fome depois da passagem deles, estou com raiva  medo, e você me vem com esse papo... como assim? Eu sou uma coisinha de nada, não vai rolar isso não... eu ferir os midianitas? Você tá me tirando? ...Tá bom, mas já que você insiste, o que você pode fazer para eu ter certeza que essa parada vem de Deus?” Então começa ali a transformação de Gideão. E começa pela palavra, pelo poder da palavra.
            Bem, antes de seguirmos falando de nosso primeiro personagem dessa revista, falemos um pouquinho de auto-estima.  Tente responder as perguntinhas a seguir: Quem sou eu? Qual é o meu valor?  As respostas a estas perguntas irão depender do conceito que temos de nós mesmos. Então podemos concluir que auto-estima tem a ver com a avaliação que faço de mim mesmo, com a nota que dou a mim mesmo. E no caso de Gideão, essa avaliação era negativa, essa nota era baixa. Vamos imaginar que todos nós enxergamos a vida através de óculos, de lentes. Assim, algumas pessoas usam lentes negativas e só conseguem enxergar o lado negativo da vida; essas são pessimistas. Outras usam lentes positivas, e através delas conseguem enxergar todas as belezas da vida, as perspectivas, as possibilidades; essas são otimistas. Gideão, por força das circunstâncias em que fora criado, usava lentes negativas. Assim como seu povo, estava acostumado a plantar, colher, e entregar o fruto da colheita a seus opressores. E todo ano erra assim. Ele não via o que fazer para mudar aquela realidade. Sentia-se pequeno, fraco, um coisinha de nada. Mas um dia tem sua vida mudada através de um chamado inesperado da parte de Deus. Pronto. Um novo Gideão  começava a surgir.
            E você, pessoa, tem medo de quê? Como você enxerga a vida? Através de que lentes? Vocês lembram dos espias que Moisés enviou para Canaã? A maioria enxergou de forma negativa, viram apenas as dificuldades, e voltaram com um parecer pessimista, derrotista: “olha, seu Moisés, vai dá não... os muros são altos a balde, tem uns caras grandes lá, muito maiores que o nosso maior homem... então achamos que não vai rolar não.” Aí chegam outros dois, Josué e Calebe, com uma outra visão. Observe que eles reconhecem as dificuldades apresentadas pelo outro grupo, mas enxergaram a situação de outra forma: “companheiro Moisés, tudo o que o outro grupo disse é verdade: os muros são altos e tem uns caras grandes...mas, olha, companheiro, não são invencíveis... dá pra gente encarar...” É praticamente isso que ocorre com Gideão, e talvez alguma coisa parecida ocorra com você. E então, vai encarar ou ficar se lamentando?

O CONTEXTO ESPECÍFICO DE GIDEÃO

Israel, que vivia da agricultura, estava sob domínio dos midianitas. Gideão viveu em um daqueles momentos em que Deus punia o seu povo através de um opressor externo. Os israelitas tinham se desviado, mais uma vez, do seu Deus e estavam adorando a Baal. Por conta disso, Deus permitiu tal opressão até que o povo voltou-se para Ele novamente e pediu socorro. Deus então convoca Gideão para ser o libertador, naquele momento.
Ao longo de sua história, Israel viveu isso diversas vezes. Então aquela geração aprendia, mas a próxima desaprendia. Às vezes, o desvio ocorria ainda na mesma geração. Israel, então, ficou com a mania de precisar de um libertador. E era isso que o povo, bem mais tarde,  esperava de Jesus, que ele libertasse a palestina do domínio romano, mas Jesus não estava interessado em guerras, em questões de estado, ele estava interessado em pessoas, portanto promoveu um outro tipo de libertação.


O PASSO A PASSO DO CHAMADO DE GIDEÃO

  1. No verso 11, Gideão se coloca como  vítima das circunstâncias. Desde pequeno ouvia falar que era menor... o medo paralisa,  e “esteriliza os abraços”, como escreve Drummond no poema “Congresso Internacional do Medo”; ele sentia-se fraco, pobre e miserável.
2.No verso 12, Gideão ouve aquilo que Deus tem a dizer a respeito do seu potencial: “Apareceu-lhe então o anjo do Senhor e lhe disse: O Senhor é contigo, ó homem valoroso”.
O Senhor investe em sua auto-estima. Declara que ele tem um grande valor e tudo começa a mudar. Na Bíblia, temos outros casos semelhantes. Vou citar dois: Jesus diz para o instável e violento Pedro: “Tu és rocha!”,  e a vida de Pedro começa a mudar. Deus diz para Jacó, que era um mau caráter: “Tu és príncipe!”, e a vida dele também muda. O que Deus precisa nos dizer para que nossa vida comece a mudar?

3.  No verso 13, Gideão ainda responde negativamente: Gideão lhe respondeu: Ai, senhor meu, se o Senhor é conosco, por que tudo nos sobreveio? e onde estão todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o Senhor subir do Egito? Agora, porém, o Senhor nos desamparou, e nos entregou na mão dos midianitas”. Observe que a resposta dele começa com um “ai”. Ele estava desiludido e não se sentia pronto para a missão que se apresentava diante dele.

4.  No verso 14, Deus motiva Gideão a começar com aquilo que tem:Virou-se o Senhor para ele e lhe disse: Vai nesta tua força, e livra a Israel da mão de Midiã; porventura não te envio eu?”. Dada a tarefa, Gideão executa. Como diria o capitão Nascimento, personagem do filme Tropa de Elite: “missão dada é missão cumprida.” Mas é claro que tudo é um processo. Ele não sai dali já para executar a tarefa, há todo um preparo, e no fim tudo sai conforme determinado por Deus e Israel se impõe sobre os midianitas.

5. No verso 15, Gideão ainda luta contra o chamado divino  e dá outra resposta negativa: “Replicou-lhe Gideão: Ai, senhor meu, com que livrarei a Israel? Eis que a minha família é a mais  pobre em Manassés, e eu o menor na casa de meu pai”. Aqui, de novo, aparece o complexo de inferioridade de Gideão, mas Deus não quer saber disso. Ele escolheu o cara e pronto.
 
6. No verso 16, Deus faz uma nova Promessa: Tornou-lhe o Senhor: Porquanto eu hei de ser contigo, tu ferirás aos midianitas como a um só homem”.     
7.  No verso 17, Gideão começa a mudar a fonte da sua auto-imagem e desenvolve  uma nova perspectiva: “Prosseguiu Gideão: Se agora tenho achado graça aos teus olhos, dá-me um sinal de que és tu que falas comigo”.

Bom, o resto da história a gente já conhece: Gideão, graças a sua insegurança, vai pedindo outros sinais, outras confirmações, até que por fim parte para a guerra com 300 homens selecionados e liberta seu povo dos midianitas.

LIÇÃO 02   -  12/02/2012

ISAQUE, O FURADOR DE POÇOS; E SUA VIDA PACATA

GÊNESIS 26

12  E semeou Isaque naquela mesma terra, e colheu naquele mesmo ano cem medidas, porque o SENHOR o abençoava.
13  E engrandeceu-se o homem, e ia enriquecendo-se, até que se tornou mui poderoso.
14  E tinha possessão de ovelhas, e possessão de vacas, e muita gente de serviço, de maneira que os filisteus o invejavam.
15  E todos os poços, que os servos de seu pai tinham cavado nos dias de seu pai Abraão, os filisteus entulharam e encheram de terra.
16  Disse também Abimeleque a Isaque: Aparta-te de nós; porque muito mais poderoso te tens feito do que nós.
17  Então Isaque partiu dali e fez o seu acampamento no vale de Gerar, e habitou lá.
18  E tornou Isaque e cavou os poços de água que cavaram nos dias de Abraão seu pai, e que os filisteus entulharam depois da morte de Abraão, e chamou-os pelos nomes que os chamara seu pai.
19  Cavaram, pois, os servos de Isaque naquele vale, e acharam ali um poço de águas vivas.
20  E os pastores de Gerar porfiaram com os pastores de Isaque, dizendo: Esta água é nossa. Por isso chamou aquele poço Eseque, porque contenderam com ele.
21  Então cavaram outro poço, e também porfiaram sobre ele; por isso chamou-o Sitna.
22  E partiu dali, e cavou outro poço, e não porfiaram sobre ele; por isso chamou-o Reobote, e disse: Porque agora nos alargou o SENHOR, e crescemos nesta terra.

            Dos três patriarcas, Isaque é, sem dúvida alguma, o mais tranquilo; o mais estável, talvez. Era um cabra que não queria conflito. Então, se cavava um poço e alguém queria brigar por causa desse poço, ele abandonava e mandava cavar outro. E foi assim até que o deixaram em paz. Que este exemplo não nos sirva de modelo na hora de lutarmos por nossos direitos. Se o poço é nosso, então é nosso. Temos que lutar por ele sim. O confronto é saudável; não temos que baixar a cabeça para tudo. Esse modelo de Isaque foi uma opção de vida dele.

         Recorrendo a algumas anotações do livro “Quem é quem na Bíblia Sagrada”, editado por Paul Gardner, da editora Vida, observemos algumas características do nosso personagem de hoje: “Teve uma vida longa (Gn 35:28), mas nunca se afastou da mesma região (Gn 35:27; 24:62; 25:11). Quando comparado com os solenes incidentes que marcaram a vida de Abraão e a atividade frenética de Jacó, ele praticamente nada fez.... Ele precisava de uma esposa a quem amasse (Gn 24:67); experimentava as alegrias do casamento (Gn 26:6); sonhava em ter filhos (Gn 25:21); alegrava-se com a paternidade e com os simples prazeres de uma boa comida (Gn 25:28); gostava de viver sem a agitação das viagens e das novidades... Diferentemente de Abraão e Jacó, o Senhor nunca “apareceu” a Isaque como apareceu a eles... O que foi que produziu esse homem submisso, de vida pacata? O que o levou a falar de Deus de forma tão pessoal e com tanta reverência? Por que tinha tanta esperança de encontrar o anjo bondoso que apareceu a Hagar? Por que possuía tamanha convicção quanto ao futuro?... mas falharam como pais (ele e Rebeca). Primeiro, cada um deles demonstrava uma nítida preferência por um dos dois gêmeos (Gn 25:28); segundo, não levaram os filhos ao conhecimento da Palavra de Deus que precedeu o nascimento deles. Seria bem mais fácil se tivessem compartilhado com eles, quando ainda eram adolescentes, que, embora Esaú fosse tecnicamente o ‘primogênito’, Deus já tinha determinado de outra maneira. Os filhos teriam absorvido essa informação, que ficaria gravada em suas consciências, sem efeitos negativos; isso moldaria a estrutura familiar e o relacionamento entre os irmãos. A palavra de Deus, entretanto, foi negligenciada e posteriormente gerou todos os lamentáveis eventos que abalaram a família (Gn 27:41): levou Esaú a envolver-se em outro casamento (Gn 26:34-35; 28:6); separou Rebeca para sempre de seu filho querido e impôs sobre Jacó um exílio de 25 anos... O casamento de Isaque começou cheio de esperanças, mas na velhice o casal não se comunicava, nem descansava na palavra de Deus, nem muito menos um no outro. Este incidente é a única nota dissonante dentro da música – orquestrada por Deus no concerto patriarcal – da vida de Isaque. Viveu até os 180 anos de idade e morreu na presença dos dois filhos, que o colocaram para descansar naquele local cheio de túmulos memoráveis, a caverna de Macpela (Gn 35:28)”.



ISAQUE É LEVADO AO ALTAR PARA SER SACRIFICADO

            Normalmente, quando lemos a história de Isaque, pensamos num garotinho sendo levado para o sacrifício, talvez sem entender direito o que acontecia, mas segundo a tradição judaica registrada por Josefo, ele tinha 25 anos de idade naquele momento. Apesar disso, não se rebelou, não tentou fugir, foi para o sacrifício “numa boa”. Era muito pacato esse cara, parece que tudo estava bom para ele, fazia a “política” do “deixa a vida me levar, vida leva eu”, entendia que tudo o que acontecesse seria a manifestação da vontade de Deus em sua vida, não era um cara ansioso, provavelmente sofria pouco. Era feliz. Gosto dele, mas em determinados episódios de sua história, chego a ficar irritado, pensando: “que cara mais lerdo!” Enfim, nosso Isaque era um cara do bem, mas “irritantemente” pacato, submisso. A propósito, não vejo a submissão como qualidade. Para mim, é um defeito terrível. A submissão só cabe na nossa relação com Deus, e aí sim, é preciso nos submeter a sua vontade, aos seus desígnios. Quando se trata, porém, de outros seres humanos, tenho dificuldades de aceitá-la. Aos meus líderes, devo respeito e não submissão.
            “Somos todos iguais, braços dados ou não”. Então, se nos amamos, se nos respeitamos, isso basta; não preciso me submeter ao outro, criar uma relação de dependência, dizer sim para tudo que o outro propõe. Repito: o confronto é saudável. Só temos que saber administrar isso, de forma que não se torne algo absolutamente pessoal. A impressão que tenho é de que há um excesso de sensibilidade em muitos companheiros nossos. Então, de repente você discorda de uma coisa e o outro já toma essa discordância como uma ofensa, como algo pessoal, quase como perseguição. Um exagero. Por outro lado, você precisa saber fazer sua crítica, sem ferir, sem ofender; precisa saber se impor, ocupar seus espaços, discordar sempre que for preciso. Nesse sentido, não precisamos ser um Isaque. Vamos seguir outros exemplos dele: sua tranqüilidade, sua calma, seu gosto pela paz, sua segurança em Deus, seu exemplo de fé.

sub.mis.são
s. f. 1. Ato ou efeito de submeter(-se); obediência, sujeição. 2. Disposição para aceitar um estado de dependência. 3. Estado de rebaixamento servil; subserviência. (Dicionário Michaelis)

ISAQUE, REBECA E OS GÊMEOS

            Quando Isaque conheceu Rebeca, ele tinha 40 anos de idade. Logo que a viu, rolou um clima, foi amor a primeira vista. Que bom! Se não tivesse rolado esse clima, teriam que ter se casado do mesmo jeito. Era a cultura daquele contexto. Abraão não queria que ele se casasse com uma mulher cananéia. Então mandou seu servo de confiança ir buscar uma esposa para Isaque entre os seus parentes (Gênesis 24), na Mesopotâmia. Seu servo, pede ajuda divina e parte para a missão. Encontra Rebeca, linda e fofa. Ela se dispõe a acompanhá-lo para o Negebe, onde morava Isaque, deixando sua parentela. É bom lembrar que Rebeca era prima de Isaque. Bom, feito o acordo do servo de Abraão com os parentes dela, e ela dispondo-se a ir ao encontro de Isaque, não tinha mais volta. O casamento estava resolvido. Então que bom que rolou um amor a primeira vista e eles se amaram e foram felizes. Rebeca era estéril (Gn 25:21) e Isaque orava por ela para que engravidasse. E os gêmeos (Esaú e Jacó) só vieram 20 anos depois, quando ele já tinha sessenta (Gn 25:26).

NINGUÉM É PERFEITO... NEM ISAQUE

Graças a uma fome sinistra que rolou em sua terra, Isaque foi orientado por Deus a procurar Abimeleque, rei dos filisteus, e mudou-se para Gerar. Deus também o havia orientado a não descer para o Egito. Temendo um interesse físico dos homens de Gerar por Rebeca, que era uma fofeza de mulher, e temendo a possibilidade dos caras o matarem para ficar com ela, ele diz que Rebeca era sua irmã. Como “a mentira tem pernas curtas”, um dia Abimeleque flagra Isaque “brincando” (Gn 26:8)  com Rebeca (é claro que esse “brincando” não tem um sentido infantil), então  o chama para uma conversa e dá uns esporros nele: “Ô companheiro Isaque, você é doido, sujeito? Você disse que a garota é tua irmã, e se algum dos nossos homens se interessassem por ela, já que, nesse caso, seria livre, o que você faria, seu maluco? E ainda ia trazer juízo divino sobre nós... ah, Isaque... mentiu pra mim, sujeito...”
Agora vejam os senhores que interessante: Abraão, o pai de Isaque, cometeu esse mesmo erro com esse mesmo rei (Gn 20), quando disse que Sara era sua irmã e não sua esposa. Isaque não aprendeu com o erro do pai e fez exatamente a mesma coisa. Você já se pegou reproduzindo comportamentos semelhantes aos de seu pai ou de sua mãe? Muitas vezes, fazemos isso inconscientemente.

LIÇÃO 03   -  26/02/2012

ABIGAIL, MULHER VIRTUOSA

PV 12:4 - A mulher virtuosa é a coroa do seu marido, mas a que o envergonha é como podridão nos seus ossos.
PV 31:10 - Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis.

1 Samuel 25

E havia um homem em Maom, que tinha as suas possessões no Carmelo; e era este homem muito poderoso, e tinha três mil ovelhas e mil cabras; e estava tosquiando as suas ovelhas no Carmelo.
E era o nome deste homem Nabal, e o nome de sua mulher Abigail; e era a mulher de bom entendimento e formosa; porém o homem era duro, e maligno nas obras, e era da casa de Calebe.
E ouviu Davi no deserto que Nabal tosquiava as suas ovelhas,
Pergunta-o aos teus moços, e eles to dirão. Estes moços, pois, achem graça em teus olhos, porque viemos em boa ocasião. Dá, pois, a teus servos e a Davi, teu filho, o que achares à mão.
Chegando, pois, os moços de Davi, e falando a Nabal todas aquelas palavras em nome de Davi, se calaram.
10  E Nabal respondeu aos criados de Davi, e disse: Quem é Davi, e quem é o filho de Jessé? Muitos servos há hoje, que fogem ao seu senhor.
11  Tomaria eu, pois, o meu pão, e a minha água, e a carne das minhas reses que degolei para os meus tosquiadores, e o daria a homens que eu não sei donde vêm?
12  Então os moços de Davi puseram-se a caminho e voltaram, e chegando, lhe anunciaram tudo conforme a todas estas palavras.
13  Por isso disse Davi aos seus homens: Cada um cinja a sua espada. E cada um cingiu a sua espada, e cingiu também Davi a sua; e subiram após Davi uns quatrocentos homens, e duzentos ficaram com a bagagem.
14  Porém um dentre os moços o anunciou a Abigail, mulher de Nabal, dizendo: Eis que Davi enviou mensageiros desde o deserto a saudar o nosso amo; porém ele os destratou.
19  E disse aos seus moços: Ide adiante de mim, eis que vos seguirei de perto. O que, porém, não declarou a seu marido Nabal.
20  E sucedeu que, andando ela montada num jumento, desceu pelo encoberto do monte, e eis que Davi e os seus homens lhe vinham ao encontro, e ela encontrou-se com eles.

21  E disse Davi: Na verdade que em vão tenho guardado tudo quanto este tem no deserto, e nada lhe faltou de tudo quanto tem, e ele me pagou mal por bem.
22  Assim faça Deus aos inimigos de Davi, e outro tanto, se eu deixar até amanhã de tudo o que tem, até mesmo um menino.
23  Vendo, pois, Abigail a Davi, apressou-se, e desceu do jumento, e prostrou-se sobre o seu rosto diante de Davi, e se inclinou à terra.
24  E lançou-se a seus pés, e disse: Ah, senhor meu, minha seja a transgressão; deixa, pois, falar a tua serva aos teus ouvidos, e ouve as palavras da tua serva.
25  Meu senhor, agora não faça este homem vil, a saber, Nabal, impressão no seu coração, porque tal é ele qual é o seu nome. Nabal é o seu nome, e a loucura está com ele, e eu, tua serva, não vi os moços de meu senhor, que enviaste.
27  E agora este é o presente que trouxe a tua serva a meu senhor; seja dado aos moços que seguem ao meu senhor.
28  Perdoa, pois, à tua serva esta transgressão, porque certamente fará o SENHOR casa firme a meu senhor, porque meu senhor guerreia as guerras do SENHOR, e não se tem achado mal em ti por todos os teus dias
32  Então Davi disse a Abigail: Bendito o SENHOR Deus de Israel, que hoje te enviou ao meu encontro.
33  E bendito o teu conselho, e bendita tu, que hoje me impediste de derramar sangue, e de vingar-me pela minha própria mão.
34  Porque, na verdade, vive o SENHOR Deus de Israel, que me impediu de que te fizesse mal, que se tu não te apressaras, e não me vieras ao encontro, não ficaria a Nabal até a luz da manhã nem mesmo um menino.
         
   Antes de tecer meus comentários, quero transcrever um trecho de um livro já citado nesta revista: “Quem é Quem na Bíblia Sagrada”, da editora Vida”, páginas 5 e 6:

“Abigail era uma mulher linda e muito sábia. O escritor de 1 Samuel deixa subentendido que sua verdadeira beleza encontrava-se no seu amor ao Senhor e em sua dedicação ao serviço. O relato de sua hospitalidade diplomática para com Davi contrasta com a ríspida hospitalidade de seu marido Nabal, que insensatamente pagou as saudações polidas do futuro rei com insultos. Ele falhou por não oferecer a Davi a costumeira hospitalidade... A bondade e presença de espírito de Abigail evitaram uma inevitável explosão de vingança. A morte de Nabal, pouco tempo depois, é descrita por Davi como castigo de Deus, por ele ter insultado o novo líder de Israel. O filho de Jessé então tomou Abigail como sua esposa.”

         Antes de falar de Abigail, só para contextualizar a cena, preciso falar um pouquinho só da participação de Davi no episódio. Davi, o rei de Israel, dava pitizinho por qualquer coisa. Parece até que foi criado por vó (desculpa aí, irmãs) ou por pais permissivos, e então  não sabia ouvir um “não” que tinha um ataque. Além de um sujeito violento, tinha uns siricoticos toda vez que ouvia uma negativa. Não estou querendo enaltecer o Nabal, já que a Bíblia o descreve como um cabra do mal, mas especificamente neste episódio, ele simplesmente diz não a Davi, que era seu rei, que tinha por obrigação cuidar de sua segurança, portanto. Nesta cena, Davi age quase como um miliciano, ou seja, em troca da segurança dada a Nabal, queria uma “doação”. Nabal recusa-se a dar a doação, dizendo não reconhecer Davi como seu rei. Pronto. O rei tem um piti, convoca um grupo imenso de homens e parte contra Nabal, dizendo cheio de raivinha que não deixaria ninguém vivo lá, nem mesmo um menino. Que cara estúpido que era Davi! Como o poder lhe fez mal! Aquele menino simpático do episódio de Golias, aquele menino simples quando da unção por Samuel, ao longo do tempo vai se transformando num monstrengo graças a relação de poder.  Esse piti de Davi no episódio em estudo, e sua consequente sede de vingança, de “justiça com as próprias mãos”, como ele mesmo diz no verso 33, me lembra um pouco uma outra relação arbitrária de poder que presenciamos hoje em nossa cidade, em nosso país: o cara é policial, portanto representante do estado, tem a obrigação de defender os cidadãos, e recebe para isso, mas mesmo assim acha que pode achacar os comerciantes em troca da segurança que oferece, o que é sua obrigação. Então esse cara, inclusive alguns que fazem isso são evangélicos, acham que o comerciante tem que lhe oferecer alimentação gratuita todos os dias, e quando o comerciante se recusa, ele fica aborrecidinho e sequer atende os chamados daquele cidadão. Senhores policiais evangélicos, se tiver algum lendo isso, os senhores, assim como eu e tantos outros profissionais, precisam dar seu jeito de pagar sua alimentação como eu pago. Nenhum comerciante tem que lhe fornecer quentinhas em troca de segurança. Isso já é sua obrigação. Não dê uma de Davi. Nesse cenário em estudo hoje, ele não é um modelo a ser seguido. Você é policial e não miliciano. Ou é tudo a mesma coisa?
            Pronto. Falei. Agora vamos a Abigail.


BREVE  DESCRIÇÃO

            Segundo o texto em estudo, era bonita e inteligente; casada com um cara arbitrário, que era do mal, apesar de ser um descendente de Calebe, que era um cabra do bem.
            É interessante observar, contextualizando a situação, que mulheres bonitas atraem os homens, porém as inteligentes afastam, salvo exceções. Parece que parte dos homens têm medo de mulheres muito inteligentes. Será por quê? Será que é para ter a garantia da submissão feminina? Será que é para ter certeza que ele é quem vai mandar? E se ao invés do tradicional “aqui quem manda sou eu” os homens experimentassem um “aqui conversamos, dialogamos e resolvemos juntos”? Bom, voltemos para Abigail, que era fofa e inteligente, porém casada com um sujeito grosso e do mal, segundo o próprio texto.

EVITANDO UMA DESGRACEIRA

            Independente da arbitrariedade de Davi, de não admitir ser contrariado e de ser pitizento, uma coisa é certa: Nabal provocou a ira do rei e este estava disposto a fazer uma chacina por lá. Um dos moços, porém, na verdade o grande herói coadjuvante da história, conta a Abigail toda a história, e ela fica apavorada. Não era pra menos. O rei não  podia ser contrariado (hoje ainda temos um bocado de pequenos reis espalhados por nossas igrejas na forma de líderes), e ela sabia o que a atitude do seu marido ia causar. Imediatamente, sem falar nada com ele, ela pega um bocado de coisa (uma “doação”) e parte ao encontro do raivoso Davi. Ao encontrá-lo, desce do jumento, faz uma saudação ao rei, pede desculpas, assumindo como sua a atitude do marido, faz a doação e, para garantir, ainda dá uma bajuladinha (verso 28). Davi, então, se acalma um pouquinho, confessa o que pretendia fazer, e aceita seus pedidos de desculpas, bem como sua reverência. Estava assim evitada uma desgraceira. Muitas vezes, companheiros e companheiras, podemos evitar uma guerra imensa através de gestos simples, utilizando as palavras certas. Vamos imaginar quantas mortes desnecessárias Abigail evitou agindo sabiamente, conforme descrito no texto!!
            Bom, dez dias depois desse episódio, Nabal morre de um ataque cardíaco. E Davi, logo depois, toma Abigail para ser sua esposa, um procedimento parecido com o episódio de Bate-Seba, narrado em 2 Samuel 11.


CONCLUSÃO

            Da forma como falo de Davi, vocês podem ter a impressão de que não gosto nenhum pouquinho dele. Não é bem assim. Tudo bem, ele não é meu herói preferido, mas também não é um caso de raiva. Eu só preciso que vocês entendam, queridos e queridas, que mesmo sendo Davi “um homem segundo o coração de Deus”, isso não faz dele um cara perfeito. Ele cometeu diversas arbitrariedades, ele foi arrogante em vários momentos, ele dava piti diante de um não, ele mandou o marido de Bate-Seba para a morte e a tomou como esposa, mas ainda assim, Deus o amou. Ele até queria acertar, mas errava bastante, e errava feio. Não somos muito diferentes dele, erramos, somos pecadores, mas apesar de nós, Deus pode nos usar. Se culpe menos e aja mais, companheiro/companheira. Faça o que lhe vier às mãos para fazer (Eclesiastes 9:10), respeitadas as suas limitações. Você é gente e gente pode errar sim, e pode se acertar, e recomeçar. Não deixe para começar a fazer o serviço de Deus quando se tornar uma pessoa perfeita. Isso não vai acontecer. Mas por outro lado, nada de exageros: nada de oprimir um outro ser humano, nada de achar que as pessoas te devem alguma coisa por você fazer sua obrigação, nada de achar que tem que ser elogiado publicamente porque fez o seu dever, nada de achar que você é mais especial que os outros seres humanos.
            Ah, e sobre o exemplo deixado por Abigail neste episódio, lembre-se que você pode evitar várias guerras: na igreja, no trabalho, na família, na comunidade... Então evite todas que forem possíveis ser evitadas, tá bom? Com atitudes simples, com palavras certas...
            E por fim, sobre o exemplo deixado pelo moço de Davi, sempre que for possível, façamos isso também. Se ele não tivesse falado com Abigail o que tinha acontecido, ela não teria podido agir.


LIÇÃO 04   -  04/03/2012

MARIA, MÃE DE JESUS, E SUA DISPONIBILIDADE PARA DEUS

Mateus 1

18  Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo.
19  Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente.
20  E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo;
21  E dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.
22  Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta, que diz;
23  Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, E chamá-lo-ão pelo nome de EMANUEL, Que traduzido é: Deus conosco.
24  E José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher;
25  E não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus.

Lucas 1

26  E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré,
27  A uma virgem desposada com um homem, cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria.
28  E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres.
29  E, vendo-o ela, turbou-se muito com aquelas palavras, e considerava que saudação seria esta.
30  Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus.
31  E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus.


32  Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai;
33  E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.
34  E disse Maria ao anjo: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum?
35  E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus.

            Uma das personagens da Bíblia que mais me encanta com sua disponibilidade para Deus é Maria, a mãe de Jesus. O que foi pedido a ela poderia comprometer sua honra, comprometeria seu próprio corpo, ela não tinha tanta clareza assim do que se tratava, de como aconteceria, na prática; de como seria a vida e a morte da criança que conceberia, e ainda assim entregou-se completamente a Deus. Ela é mesmo uma gracinha de pessoa fofa. Diante de tudo o que o anjo estava lhe dizendo, lhe anunciando, o único questionamento que ela faz é: “...mas ‘peraí’, companheiro anjo, eu nunca estive com um homem, nunca fiz sexo na minha vida, como posso estar grávida.” E o anjo explica: “Quanto a isso, companheira Maria, precisa ficar apoquentada não, relaxe, sossegue, o Espírito Santo vai se encarregar de tudo.” E ela relaxa, e  disponibiliza-se para Deus e torna-se a mãe de Jesus, do Deus encarnado.
            Não dá para dizer, de jeito nenhum, lendo os evangelhos, que ela tinha clareza total do que aconteceria com aquele menino. Ela viveu a gestação, a criança nasceu, ela foi educando, fazendo seu papel de mãe, mas em vários episódios percebemos que ela não compreendia a dimensão do ministério daquele garoto que crescia sob seus cuidados.
            A oração da “ave-maria”, adotada pelos nossos irmãos católicos, pode ter alguns equívocos do nosso ponto de vista, mas contém coisas lindas também. Vejamos:

Ave-Maria, cheia de graça!
O Senhor é convosco
Bendita sois vós entre as mulheres
E Bendito é o Fruto do vosso ventre, Jesus
Santa Maria Mãe de Deus,
Rogai por nós os pecadores
Agora e na hora de nossa morte. Amém

Nenhum problema na parte sublinhada da oração. Aquele “ave” lá no iniciozinho é perfeitamente compatível com o “salve”, forma como o anjo a saúda, e não temos nenhuma dúvida de que o Senhor era com ela, de que ela foi bendita entre as mulheres e de que bendito era o fruto do seu ventre. Discordamos das três linhas finais, visto que não a temos como intercessora, e embora tenha sido uma pessoa fofa, piedosa, íntegra, não teve como objetivo tornar-se uma “santa”, já que foi um ser humano como todos nós.

MARIA, MÃE DE JESUS, ESPOSA DE JOSÉ, MULHER

Dispomos de poucas informações sobre a pessoa de Maria. Acredita-se que tenha nascido em Jerusalém, perto do ano 15 a.C., mas também cogita-se a possibilidade de ter nascido em Nazaré. Acredita-se ter sido filha de Eli, mas a genealogia apresentada por Lucas coloca José como filho de Eli. De qualquer forma, é preciso levar-se em conta que no modelo judeu era comum em situações em que o sangue do avô era transmitido ao neto através de uma filha, a substituição do nome desta pelo nome do marido. Portanto, visto dessa forma, não é tão seguro assim afirmar-se que José era filho de Eli e não Maria.
Ela aparece poucas vezes na Bíblia. Quer dizer, poucas vezes para a importância que tem na história da fé cristã. Vejamos as ocasiões em que é citada nos evangelhos:

  • No anúncio em que seria mãe do Messias: Lucas 1-2; Mateus 1:2;
  • Na visita a Isabel: Lc. 1,39-56;
  • No nascimento de Jesus: Lc. 2,1-20;
  • No ritual de sua purificação e apresentação de Jesus no templo: Lc. 2,22-38;
  • Procurando Jesus. Encontrado, enfim, no templo: Lc. 2,41-51;
  • No casamento em Caná (Galiléia): João 2:1-11;
  • Procurando o filho, enquanto ele pregava: Lc. 8,19-21; Mc. 3, 33-35);
  • Na crucificação do filho: Jo, 19,26-27;
  • No Pentecostes: Atos 1:14; 2:1-4;
Há uma outra referência a ela em em Lucas 11:27-28: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram”, depois nada mais se diz sobre ela.
É preciso se levar em conta também que a importância de uma pessoa, de um personagem bíblico nem sempre se mede pelo número de referências a ela, mas pela importância daquilo que fez, pela sua disponibilidade para Deus, e Maria, vamos combinar, foi um espetáculo de pessoa neste sentido.

E SE FOSSE HOJE NO BRASIL?

Vamos tentar imaginar  como seria se isso acontecesse hoje? Ou seja, se a materialização de Jesus ainda estivesse para acontecer, se fosse acontecer aqui no Brasil, e Deus precisasse de uma menina brasileira, e essa menina fosse evangélica. E aí, você acha que se acharia alguém como Maria, tão disponível para Deus? E se essa menina tivesse um noivo, será que ele compreenderia? Como estamos no campo das hipóteses, das suposições, podemos “viajar” um pouquinho. E a igreja dessa menina será que compreenderia? Aí você vai dizer que não existiria igreja já que Jesus ainda estaria para nascer. Por isso falei em “viajar”. Nossa intenção aqui é fazer uma reflexão, é pensar um pouquinho sobre como as pessoas da época de Maria, inclusive os religiosos judeus teriam reagido em relação a sua gravidez, em relação a compreensão de José, e depois contextualizarmos para o nosso país, para a nossa cultura.

Não é o caso de prestarmos adoração a Maria ou qualquer forma de veneração religiosa, mas é o caso, com certeza, de respeitarmos muito a pessoa, de admirarmos sua disponibilidade para Deus e de copiarmos seu modelo. Ela foi uma grande mulher, sem dúvida alguma, uma grande mãe, e como todas as mães, sofreu um bocado; ela certamente mais que as outras. Muito provavelmente ela imaginou para o seu filho um futuro diferente da cruz, mas aceitou, entendeu que precisava ser daquele jeito. Ela foi fofa demais! Salve Maria!


SOBRE A MORTE DE MARIA


Sobre a “dormição” de Maria, escreve João Paulo II:


(...) O Novo Testamento não dá nenhuma informação sobre as circunstâncias da morte de Maria. Este silêncio induz supor que se produziu normalmente, sem nenhum fato digno de menção. Se não tivesse sido assim, como teria podido passar despercebida essa notícia a seus contemporâneos sem que chegasse, de alguma maneira até nós?
No que diz respeito às causas da morte de Maria, não parecem fundadas as opiniões que querem excluir as causas naturais. Mais importante é investigar a atitude espiritual da Virgem no momento de deixar este mundo....
Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, do ponto de vista físico, Lhe tenha produzido a morte, pode-se dizer que o trânsito desta vida para a outra foi para Maria um amadurecimento da graça na glória, de modo que nunca melhor que nesse caso a morte pode conceber-se como uma "dormição".

WIKIPÉDIA

“Para os cristãos protestantes, Maria é vista como uma mulher de alto mérito, respeitosa por ter vivido uma vida exemplar segundo os propósitos de Deus, porém, sendo ela cheia da Graça (aqui, o significado da palavra "graça" como algo não merecido, dado gratuitamente), era uma mulher comum, escolhida dentre outras para dar à luz ao Messias. Não se acredita, no protestantismo, que Maria seja a Mãe de Deus, no sentido estrito do termo, pois a natureza divina de Cristo é anterior à existência de Maria. Mas sim, que Deus se fez homem através de sua mãe, cumprindo o que tinha sido profetizado pelo profeta Isaías (Isaías 7:14).”


LIÇÃO 05   - 11/03/2012

JOSÉ DO EGITO,  O FILHO MIMADO DE JACÓ E RAQUEL

Gn 30

22  E lembrou-se Deus de Raquel; e Deus a ouviu, e abriu a sua madre.
23  E ela concebeu, e deu à luz um filho, e disse: Tirou-me Deus a minha vergonha.
24  E chamou-lhe José, dizendo: O SENHOR me acrescente outro filho.

Gn 37

E JACÓ habitou na terra das peregrinações de seu pai, na terra de Canaã.
Estas são as gerações de Jacó. Sendo José de dezessete anos, apascentava as ovelhas com seus irmãos; sendo ainda jovem, andava com os filhos de Bila, e com os filhos de Zilpa, mulheres de seu pai; e José trazia más notícias deles a seu pai.
E Israel amava a José mais do que a todos os seus filhos, porque era filho da sua velhice; e fez-lhe uma túnica de várias cores.
Vendo, pois, seus irmãos que seu pai o amava mais do que a todos eles, odiaram-no, e não podiam falar com ele pacificamente.
Teve José um sonho, que contou a seus irmãos; por isso o odiaram ainda mais.
10  E contando-o a seu pai e a seus irmãos, repreendeu-o seu pai, e disse-lhe: Que sonho é este que tiveste? Porventura viremos, eu e tua mãe, e teus irmãos, a inclinar-nos perante ti em terra?
11  Seus irmãos, pois, o invejavam; seu pai porém guardava este negócio no seu coração.
12  E seus irmãos foram apascentar o rebanho de seu pai, junto de Siquém.
13  Disse, pois, Israel a José: Não apascentam os teus irmãos junto de Siquém? Vem, e enviar-te-ei a eles. E ele respondeu: Eis-me aqui.
14  E ele lhe disse: Ora vai, vê como estão teus irmãos, e como está o rebanho, e traze-me resposta. Assim o enviou do vale de Hebrom, e foi a Siquém.
19  E disseram um ao outro: Eis lá vem o sonhador-mor!
20  Vinde, pois, agora, e matemo-lo, e lancemo-lo numa destas covas.
23  E aconteceu que, chegando José a seus irmãos, tiraram de José a sua túnica, a túnica de várias cores, que trazia.

            Bem, nosso personagem de hoje foi o décimo primeiro filho de Jacó, o primeiro de Raquel. Foi o filho da velhice de Jacó; depois ainda teve Benjamim, segundo filho de Raquel. Aliás, a bichinha morreu no parto, tadinha.
            Bom, por ser o filho de sua velhice, Jacó amou mais a José que a seus outros irmãos, demonstrava mais amor por ele diante de todos os outros, chegando a presenteá-lo com uma túnica de várias cores, uma belezura só, e somente José ganhou uma. É claro que os outros irmãos, tadinhos dos bichinhos, passaram a ter ciúmes dele, inveja, raiva, coisas assim.

Ciúmes – medo de perder algo que se supõe seu e que lhe é muito importante.

Inveja – querer aquilo  que é do outro

            Tinham ciúmes, pois entendiam, obviamente, que o pai era de todos e não apenas de José. É como se temessem perder o pai para José. Tinham inveja porque queriam a atenção que era dada a José, queriam ter uma capa como a de José, ou a capa de José.
            Gostaria de analisar com vocês alguns pontos de vista sobre o episódio de hoje.
            Antes de tudo, nada de olhar para José como o coitadinho, e para os irmãos como uns monstrengos. Tudo bem, tudo bem, eles agiram errado, exageraram. Em momento nenhum vou defender aqui a atitude dos irmãos dele. Quando muito, vou dizer que o grande responsável por essa animosidade entre os irmãos foi o próprio Jacó. Olha, gente, gosto um pouco de Jacó, curto muito o episódio já analisado em outra lição, do amor dele por Raquel, acho lindo, mas vou confessar uma coisa pra vocês, dos gêmeos de Isaque, meu preferido é Esaú: um cara íntegro, trabalhador, gente boa pra caramba, perdoador. Jacó não, Jacó foi trapaceiro, e para sua trapaça teve o apoio de Rebeca, sua mãe. Agora, vejamos só. Jacó foi, nitidamente, o gute-gute de Rebeca, o preferidinho dela, o fofinho. Ela o ajudou a trair Esaú e  enganar Isaque, quando este já não enxergava, naquele episódio da primogenitura. Pois bem, agora Jacó é pai. E o que ele faz? Reproduz o comportamento da mãe, elegendo um filho preferido, e declarando isso diante dos outros, e tratando este preferido de um jeito exclusivo. O resultado não podia ser outro. Os irmãos passaram a ter raiva de José. José tornou-se um fiscal dos irmãos, um dedo-duro, um x-9, e era premiado por isto.
            Antes de continuar o caso específico de José, quero fazer uma breve interrupção para declarar publicamente que Matheus é o meu filho preferido. Também é o meu único filho. Agora, se você tiver mais de um, companheiro, companheira, evite cometer o mesmo erro de Jacó. E mais ainda, queridos e queridas, se tem mais de um, evite compará-los. Se seu primeiro filho é muito inteligente, o segundo não tem nenhuma obrigação de ser tão inteligente quanto o irmão. O segundo não é uma cópia do primeiro. O mais velho pode gostar muito de estudar, e o segundo pode ser um aluno mediano. Eles são seres humanos diferentes, únicos, e isso precisa ser respeitado. Quantos filhos tornaram-se adultos neuróticos, frustrados, com a auto-estima comprometida de tanto ouvirem os pais dizerem coisas do tipo: “você é um burro, tinha que ter a inteligência do seu irmão”, “você não tem a beleza e a simpatia da sua irmã...”, e por aí vai. As pessoas são diferentes, queridos e queridas, mesmo quando são irmãos, mesmo que sejam gêmeos. Não vê Esaú e Jacó? O cara legal, bonzinho, gente boa, não era Jacó, era Esaú, mas quem ficou bonito na história foi Jacó. Mais tarde eles se reencontraram e se entenderam. Esaú perdoou a trapaça do irmão, numa cena muito bonita registrada em Gênesis 32 e 33. Aliás, Jacó cheio de peso na consciência por reconhecer o que fizera contra o irmão, estava com um medo danado, se prevenindo contra um possível ataque do irmão, contra uma possível vingança, mas quando o temido Esaú aparece, que coisa mais bonitinha, corre para o irmão e o abraça. A cena é linda demais. Eu até suporto Jacó, mas meu herói é Esaú. Que cara bacana! Bom, mas voltemos para José.
Então como dizíamos, nesse dedinho gostoso de prosa que estamos trocando, falando da vida alheia, vamos a José. Entendo que ele era um garoto até legal, mas o pai, Jacó, estragou o menino e estragou também a relação entre os irmãos. Bom, um dia, os irmãos, já muito aborrecidos com ele, cogitaram matar o bichinho, tadinho, mas acabaram vendendo-o como escravo para um grupo de traficantes de gente, um bando de ismaelitas.
            Ah, vocês estão assustados com essa história de “traficantes de gente” que existiam no Velho Testamento, lá pras bandas do Oriente Médio? Pois vou piorar um pouquinho: existem traficantes de gente no Brasil, atualmente. E não são poucos. Alguns traficam belas meninas sonhadoras que querem ser modelos no exterior, e acabam virando garotas de programa; outros traficam gente para o trabalho escravo em fazendas distantes, em áreas de dificílimo acesso; outros traficam colombianos e bolivianos para o trabalho escravo em porões de fábricas de roupas no centro de São Paulo. O que a igreja faz diante disso? Lamenta e diz que vai orar. Ah, companheiros e companheiras, “pior que a maldade dos maus é o silêncio dos bons”, já dizia nosso irmão Martin Luther King. Vemos muitas coisas e deixamos pra lá para não nos comprometermos, e temos a cara de pau de dizer que vamos orar, e só. Não estou dizendo que não devamos orar, estou querendo dizer que além disso, precisamos não compactuar com as injustiças, precisamos denunciar quando nosso irmão é oprimido. Mas o que fazemos? de um modo geral, nos omitimos enquanto igreja de Cristo, nos calamos diante da injustiça, ou pior ainda, fazemos parte dela, ajudamos a oprimir. Enfim, assim como nos dias de José, o tráfico de gente continua existindo. Meninas de dez anos de idade estão sendo prostituídas em nosso país, vendidas, negociadas como mercadorias. Elas não têm mais sonhos, mais esperanças, e o que faz a igreja? Bonitos discursos dizendo que a prostituição é pecado. Oh, bela informação. É pecado. Ok. E o que vamos fazer pelas menininhas de dez anos ou menos ou mais que estão sendo vendidas para gerarem dinheiro para seus donos?
            Dia desses, voltando de um passeio de férias, num dia muito quente em que diversos meninos e diversas meninas da idade do meu pequeno se queimavam sob um sol escaldante vendendo refrigerante e água na estrada, comentei com meu menino, que estava bicudo dentro do carro, com ar condicionado ligado, ouvindo música e reclamando da vida, como fazem nossos amáveis filhos adolescentes: “Ô moleque, isso que você está vendo aqui é um exemplo clássico de desigualdade social: você aqui dentro protegido do calor e aqueles meninos lá fora tentando nos vender refrigerantes... devem está aí o dia inteiro... ‘curtindo’ as férias.” Além desse comentário, o que fiz? Nada. Acho que nem um refrigerante eu comprei naquele momento.

            Mas voltemos para nosso José. Pois é. Venderam o bichinho e contaram ao pai que ele tinha sido devorado por alguma fera. E para reforçarem a informação, mataram um carneiro e empaparam com o sangue do bicho a túnica colorida de José. O velho Jacó entrou em depressão com a notícia, isolou-se, chorou um bocado, rasgou suas roupas como era costume da época e não aceitou ser consolado por ninguém, por nenhum dos outros filhos.
            Agora vejamos a ironia da cena: a túnica de várias cores, símbolo maior da preferência de Jacó por José, foi exatamente o instrumento utilizado pelos irmãos para dizer a Jacó: “seu filhinho preferido está morto, deve ter sido devorado por alguma fera, só achamos isso que você deu a ele para diferenciá-lo de nós; toma aí, você não tem mais o filho, mas tem a capa cheia do sangue dele.”
            É, gente, Jacó deveria ter enviado José junto com os irmãos, mas não, ele enviou José para fiscalizar os irmãos. Se os irmãos o tivessem  matado, jogando-o numa cova, como cogitaram, será que poderíamos dizer que Jacó o teria matado? Recentemente, um adolescente morreu num acidente bobo de moto aqui em nossa região, como acontece frequentemente. Ele era muito novinho para ter uma moto, e a mãe diante da tragédia, se torturava gritando: “Eu dei essa moto a ele. Será que matei meu filho?” E eu, pensava com meus botões, apesar de estar de camiseta: matou.
            Mas finalizemos José, quer dizer, a lição sobre José. Bom, Deus era com ele. Ele foi parar no Egito, onde foi vendido como escravo. Deus o conduziu ao governo daquele império e ele foi usado para salvar muita gente da fome.

UMA COISA É UMA COISA E OUTRA COISA É OUTRA COISA

            Gente, uma coisa é dizer: “Deus tinha o controle da situação, e usou cada episódio da vida de José para conduzi-lo ao seu propósito.” Tudo bem. Concordo plenamente. Agora,  outra coisa é dizer: “Deus determinou que Jacó fizesse dele o seu gute-gute, que apoiasse e premiasse o entreguismo, que seus irmãos o odiassem e o vendessem.” Aí não. Aí fica muito difícil pra mim. Deus pode e usa as circunstâncias  a nosso favor, o que pode não significar que ele tenha determinado que as coisas tinham que acontecer desse ou daquele jeito. Eu, como gente que sou, posso sofrer um acidente, quebrar uns pedaços e ir parar num hospital. No hospital, posso conhecer uma certa pessoa, falar de Jesus para essa pessoa, abençoar a vida dessa pessoa. Deus estará usando uma circunstância adversa a mim para abençoar a vida de outra pessoa. “Já que esse cara está aqui, vou usá-lo para abençoar aquele outro cara”. Tudo bem. Mas é muito difícil para mim pensar que o meu Deus vai me quebrar todinho só para eu falar com um outro cara que está no hospital. Ele não poderia me levar lá inteiro? Vocês querem discutir isso?

CONCLUSÃO

            Apesar de Jacó, apesar dos irmãos de José, apesar do próprio José, Deus usou poderosamente a vida de José para abençoar muita gente, para livrar muita gente de morrer de fome. José não era um político da bancada evangélica brasileira. Se fosse, teria se safado, safado a sua família, garantido um dinheirinho para o futuro e pronto. José chegou ao poder porque Deus o foi conduzindo, para o bem de muitos.
            Se um candidato evangélico vier conquistar o seu voto dando como exemplos de servos de Deus ocupando cargo público José ou Daniel, diga ao cabra para ler bem a narrativa bíblica antes de sair falando bobagem por aí. E por favor, não vote nele não. Esse papo de “irmão vota em irmão” é furada. No poder, eles viram primos distantes. Estamos num ano eleitoral. Fiquem ligados! José e Daniel foram conduzidos gradativamente a vida pública porque havia um propósito definido e eles cumpriram esse propósito. Outra coisa, não foram eleitos pelo povo. Outra coisa, não fizeram campanha malhando outro candidato. Outra coisa, não negociaram a fé, os valores. Daniel, por exemplo, chegou até ser chatinho com aquele papo de “não vou comer isso de jeito nenhum”. Era comida árabe. Se fosse uma buchada de bode, uma dobradinha, um mocotó, a história poderia ter sido diferente. Enfim, eles não negociaram a fé e cumpriram a missão. É isso. José foi um cara legal. Perfeito? Claro que não. Ele foi como um de nós.

           
LIÇÃO 06   - 18/03/2012

PAULO, O AMONTOADOR DE GRAVETOS

Atos 27

41  Então a ideia dos soldados foi que matassem os presos para que nenhum fugisse escapando a nado.
42  Mas o centurião, querendo salvar a Paulo, lhes estorvou este intento; e mandou que os que pudessem nadar se lançassem primeiro ao mar, e se salvassem em terra;
43  E os demais, uns em tábuas e outros em coisas do navio. E assim aconteceu que todos chegaram à terra a salvo.
44  Quanto aos demais, que se salvassem, uns, em tábuas, e outros, em destroços do navio. E foi assim que todos se salvaram em terra.

Atos 28

1  E, HAVENDO escapado, então souberam que a ilha se chamava Malta.
E os bárbaros usaram conosco de não pouca humanidade; porque, acendendo uma grande fogueira, nos recolheram a todos por causa da chuva que caía, e por causa do frio.
E, havendo Paulo ajuntado uma quantidade de gravetos, e pondo-os no fogo, uma víbora, fugindo do calor, lhe acometeu a mão.
E os bárbaros, vendo-lhe a víbora pendurada na mão, diziam uns aos outros: Certamente este homem é homicida, visto como, escapando do mar, a justiça não o deixa viver.
Mas, sacudindo ele a víbora no fogo, não sofreu nenhum mal.
E eles esperavam que viesse a inchar ou a cair morto de repente; mas tendo esperado já muito, e vendo que nenhum incômodo lhe sobrevinha, mudando de parecer, diziam que era um deus.

NOTA: A NVI – Nova Versão Internacional da Bíblia substitui a expressão “bárbaros” por “habitantes da ilha”. Muito fofo.

            Queridos  e queridas, fofos e fofas, antes de falar do episódio em si, dessa linda narrativa bíblica envolvendo Paulo, nosso velho conhecido, quero falar de PRECONCEITO. Isso mesmo. Só um pouquinho. Lendo essa narrativa, você já atentou para a forma como o narrador-tradutor  se refere aos habitantes daquela ilha (Malta)? Ele os chama de BÁRBAROS. Quem seriam esses “bárbaros”?

bár.ba.ro (Dicionário Michaelis)
adj. 1. Relativo aos bárbaros, povos invasores do Império Romano, nos sécs. III e IV. 2. Selvagem, sem civilização. 3. Desumano, cruel.
            Os judeus chamavam de “gentios” todos aqueles que não eram judeus; os romanos chamavam de “bárbaros” todos aqueles que não falavam latim, que não faziam parte do império romano. No Brasil, os paulistas chamam de “baiano”, num tom pejorativo, todos os nordestinos; e os cariocas chamam de “paraíba”.  Assim, quando alguém faz uma bobagem no trânsito e chama isso de “baianagem” está sendo muito preconceituoso conosco (também sou nordestino... não estou legislando em causa individual; somos muitos fora de nossa região de origem, mas dentro do nosso país); quando você chama o seu filho ou o seu colega de “paraíba” porque ele fez alguma besteira, você está sendo muito preconceituoso com o meu povo, você está dizendo, nas entrelinhas, que somos inferiores, incapazes de pensar, e isso não é bonito nem mesmo numa brincadeirinha “inocente”.
            Durante muito tempo, a Antropologia olhou para as civilizações desconhecidas e, portanto, diferentes, como inferiores, estranhas. Foi desse jeito que os portugueses cristãos invasores olharam para o nosso índio quando dominaram nosso território sem nenhuma dificuldade. Nossos índios foram vistos como povos selvagens, bárbaros, semi-humanos. Da mesma forma, os africanos. O narrador do episódio de hoje olha dessa forma para o povo da ilha de Malta, mas observe que no verso 2, por exemplo, ao mesmo tempo que os chama de bárbaros, ele enfatiza o quanto foram humanos, o quanto foram bacanas com o grupo de náufragos. Pessoas, não existe cultura inferior ou povo esquisito. Existem sim culturas e povos diferentes, e isso precisa ser respeitado. Na verdade, chamamos de esquisito tudo aquilo que é diferente de nós. Logo, para outros povos, somos também muito esquisitos.

CONTEXTUALIZANDO

            Paulo está em mais uma viagem de navio. Está preso, sendo transportado para Roma juntamente com mais um bocado de sentenciados. Bom, vale lembrar que em todas as vezes que ele viajou de navio, rolou um naufrágio. Não sei se essa fama de Paulo naufragar navios ficou tão conhecida como a fama de batistas falirem instituições educacionais. No nosso caso, há um provérbio terrível, maldoso que circula nos meios acadêmicos-teológicos: “quer falir um grande colégio? entregue a administração a um pastor batista”. Que maldade! Só porque falimos vários colégios batistas e só porque diversos seminários batistas estão no vermelho e alguns já fechados. Ah, nada a ver. Mas vamos combinar e aprender com os católicos nessa área: você precisa ter um padre ou uma freira “liderando” uma instituição de ensino ou um hospital, coordenando, mas o diretor administrativo é um profissional do ramo, especialista em administração educacional ou hospitalar. Gente, pastores e padres pastoreiam; não têm que ser administradores de empresa. Mas voltemos a Paulo. Então, devia ter alguma coisa assim: “quer afundar um navio? transporte Paulo”. Pois bem, e o navio encalhou, partiu-se, já era. Os soldados, responsáveis pelos presos, não pensaram duas vezes: “vamos matar geral, e pronto... ‘bandido bom é bandido morto’”. Será que a expressão cristã ideal não seria: “bandido bom é bandido transformado pelo evangelho de Cristo”? Bom, então iam matar todos os presos, Paulo era um deles. Na sua opinião, preso e bandido ainda é a mesma coisa? Então, aí o comandante, que gostava de Paulo (se você ler a história toda vai entender porque o comandante gostava dele  e queria poupar-lhe a vida), querendo poupar a vida do apóstolo, não permite que os soldados executem os presos, e determina que todos tentassem se salvar. Primeiro, os que sabiam nadar deveriam lançar-se ao mar e tentar chegar em terra firme; depois, os que não sabiam nadar deveriam tentar a sorte agarrados a pedaços do navio. Sabe o que mais me impressiona nessa narrativa? A tranquilidade de Paulo. O tempo todo ele ajuda a manter a calma no navio, convence os caras, que já estavam desistindo da vida, a se alimentarem, a se fartarem para garantir a sobrevivência, já que toda a reserva de trigo precisaria ser lançada ao mar para aliviar o peso; e por fim, o tempo todo ele diz aos policiais para que ficassem tranqüilos, que todos os presos chegariam em terra firme e que não tentariam fugir. Que convicção era essa do apóstolo? É claro que o comandante tinha mesmo que gostar dele,  e tentar poupar sua vida.
            Pois bem, de um jeito ou de outro, uns com menos e outros com mais dificuldades, todos chegam em terra firme, numa ilha, que só mais tarde descobrem chamar-se Malta. Para surpresa do narrador, são bem recebidos pelos seus habitantes, pelos “bárbaros”. Todos estavam exaustos, com muito frio. “E então, Paulo, enfim, pôde descansar”. Olha gente, ele até poderia ter descansado, mas é brincadeirinha, não descansou não.  Os habitantes foram tão fofos com os náufragos que fizeram logo uma fogueira para que os caras se aquecessem. E então, nesse momento, todos ainda desesperados e semimortos de terror, de cansaço, tentam se aproximar da fogueira, menos Paulo. Ele sai catando gravetos pela ilha para alimentar a fogueira. O nosso amontoador de gravetos que tinha conseguido manter a calma da tripulação, convencido todos a comerem porque a luta pela sobrevivência exigiria muita energia, convencido o comandante a não autorizar a morte sumária dos presos, garantido ao comandante que todos se salvariam sem tentar fugir, ele mesmo se esforçado, como os outros, por sua própria sobrevivência, agora está em terra firme, tem uma fogueira para se aquecer, mas o que ele faz? Enquanto todos se aquecem, vai catar gravetos para garantir que o fogo não cesse. Que cara genial! Que coração pastoral que esse cara tinha! E quando falo em coração pastoral não estou falando simplesmente de coração de pastores, daqueles ordenados por uma igreja, por um concílio, estou falando de todos aqueles que de alguma forma, independente de ordenação, exercem o pastoreio. E todos esses, pastores ordenados ou não, são catadores de gravetos. São capazes de abrir mão de momentos de conforto pessoal para confortar outras pessoas; são capazes de amar sem ser amados; de compreender sem ser compreendidos; de perdoar sem ser perdoados; de dar sem esperar nada em troca, como diz  Francisco de Assis em sua linda oração.
            Nesse episódio, Paulo, literalmente, põe lenha na fogueira, mas não para provocar uma guerra, como o provérbio popular é utilizado, mas para garantir o aquecimento daquela turma. E tem uma outra coisinha muito importante: aquela gente por quem Paulo estava se sacrificando naquele momento não era necessariamente gente boa não, tinha um bocado de criminoso no pacote. Então vamos refletir um pouquinho: você abriria mão de se aquecer um pouquinho numa situação de frio extremo como estavam para catar gravetos a fim de aquecer também um monte de condenados pela justiça? Ou você faria o discurso inflamado daqueles selvagens apresentadores de programas policiais televisivos: “têm que morrer mesmo, está devendo tem que pagar, com a vida se for o caso!” Gente, você pode até não responder ao meu questionamento e ficar apenas numa reflexão pessoal, mas eu quero responder, reconhecendo minhas limitações, e em momento nenhum querendo me passar por certo: “eu, Isac, arrumaria um lugarzinho bem perto da fogueira, e ficaria lá, torcendo para que o fogo não acabasse, e contanto com a generosidade dos habitantes da ilha; não me vejo catando gravetos numa ilha fria, após sobreviver a um terrível naufrágio, para aquecer aquela turma não.” Estou chocado com a minha resposta. Preciso rever alguns conceitos. Vou terminar de escrever esta lição e pensar um pouco sobre  o cristão que tenho sido.
            Bom, na busca por gravetos e folhagens, Paulo é picado por uma serpente. Como a visibilidade não era boa, é possível que tenha pegado a cobra achando tratar-se de mais um graveto. Ela agarrou-se à mão dele, e ele a sacudia para livrar-se da bicha. Enfim, consegue atirá-la no fogo, ninguém do IBAMA estava vendo a cena (ufa!), e os habitantes da ilha, conhecendo aquele tipo de serpente, ficam aguardando a morte de Paulo. E o cara tá lá, catando gravetos, alimentando a fogueira, provavelmente batendo papo. E os caras esperando. Quando o tempo conhecido por eles para a morte de alguém picado por aquela cobra passa, eles ficam chocados, ninguém sobrevive a picada daquela bicha. Esse cara só pode ser um deus. Pronto, agora Paulo tem autonomia total para falar o que quiser na ilha, e ele, claro, anuncia o evangelho, realiza diversas curas. Ficaram três meses na ilha até que um outro navio os conduziu a Roma.
            Gente, desculpa, mas quando leio essa narrativa em que os habitantes daquela ilha passam a achar que Paulo é um deus, e Paulo continua se comportando como um simples amontoador de gravetos e exercendo entre eles seu ministério, sou levado a pensar em como reagiram alguns líderes evangélicos de hoje. Imagina se um “apóstolo” contemporâneo desses aí da vida chega a um lugar e alguém diz que ele é um deus. Meus irmãos e minhas irmãs, ele não terá dúvida nenhuma de que é mesmo. Sem alguém dizer isso, os caras já se comportam como semideuses, como inerrantes e infalíveis, agora imagine alguém dizendo a um deles: “você é um deus!”
            Ah, Isac, encerra logo essa lição! Tá encerrada. Bom domingo a todos. Vamos catar gravetos.


LIÇÃO 07    -  25/03/2012

SAUL, UM HUMANISTA!

I Samuel 8
Este tinha um filho, cujo nome era Saul, moço, e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaía a todo o povo.
17  E quando Samuel viu a Saul, o SENHOR lhe respondeu: Eis aqui o homem de quem eu te falei. Este dominará sobre o meu povo.
21  Então respondeu Saul, e disse: Porventura não sou eu filho de Benjamim, da menor das tribos de Israel? E a minha família a menor de todas as famílias da tribo de Benjamim? Por que, pois, me falas com semelhantes palavras?

I Samuel 10

ENTÃO tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e beijou-o, e disse: Porventura não te ungiu o SENHOR por capitão sobre a sua herança?
20  Tendo, pois, Samuel feito chegar todas as tribos, tomou-se a tribo de Benjamim.
21  E, fazendo chegar a tribo de Benjamim pelas suas famílias, tomou-se a família de Matri; e dela se tomou Saul, filho de Quis; e o buscaram, porém não se achou.
22  Então tornaram a perguntar ao SENHOR se aquele homem ainda viria ali. E disse o SENHOR: Eis que se escondeu entre a bagagem.
23  E correram, e o tomaram dali, e pôs-se no meio do povo; e era mais alto do que todo o povo desde o ombro para cima.
24  Então disse Samuel a todo o povo: Vedes já a quem o SENHOR escolheu? Pois em todo o povo não há nenhum semelhante a ele. Então jubilou todo o povo, e disse: Viva o rei!
25  E declarou Samuel ao povo o direito do reino, e escreveu-o num livro, e pô-lo perante o SENHOR; então despediu Samuel a todo o povo, cada um para sua casa.
26  E foi também Saul à sua casa, em Gibeá; e foram com ele do exército aqueles cujos corações Deus tocara.
27  Mas os filhos de Belial disseram: É este o que nos há de livrar? E o desprezaram, e não lhe trouxeram presentes; porém ele se fez como surdo.

I Samuel 11
12  Então disse o povo a Samuel: Quem é aquele que dizia que Saul não reinaria sobre nós? Dai-nos aqueles homens, e os mataremos.
13  Porém Saul disse: Hoje não morrerá nenhum, pois hoje tem feito o SENHOR um livramento em Israel.

I Samuel 13
13  Então disse Samuel a Saul: Procedeste nesciamente, e não guardaste o mandamento que o SENHOR teu Deus te ordenou; porque agora o SENHOR teria confirmado o teu reino sobre Israel para sempre;
14  Porém agora não subsistirá o teu reino; já tem buscado o SENHOR para si um homem segundo o seu coração, e já lhe tem ordenado o SENHOR, que seja capitão sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou.

I Samuel 15
Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos.
O que Saul convocou ao povo, e os contou em Telaim, duzentos mil homens de pé, e dez mil homens de Judá.
Chegando, pois, Saul à cidade de Amaleque, pôs emboscada no vale.
E disse Saul aos queneus: Ide-vos, retirai-vos e saí do meio dos amalequitas, para que não vos destrua juntamente com eles, porque vós usastes de misericórdia com todos os filhos de Israel, quando subiram do Egito. Assim os queneus se retiraram do meio dos amalequitas.
24  Então disse Saul a Samuel: Pequei, porquanto tenho transgredido a ordem do SENHOR e as tuas palavras; porque temi ao povo, e dei ouvidos à sua voz.
25  Agora, pois, rogo-te perdoa o meu pecado; e volta comigo, para que adore ao SENHOR.

            Pessoas queridas, preciso iniciar esta lição fazendo uma confissão a vocês: gosto muito de Saul. E mais uma coisa: numa eleição em que os candidatos fossem Saul e Davi, me desculpem, tentem me compreender, mas eu votaria em Saul. Que cara bacana! Talvez você sempre tenha olhado para Saul como um cara do mal. Muitas vezes somos levados a ter determinada visão de algum personagem bíblico a partir do que ouvimos em sermões ou em letras de música. E normalmente, Davi é enaltecido, e Saul, tadinho, depreciado. Humanamente falando, Davi não foi melhor que Saul. Sabe qual a grande diferença entre os dois? Davi obedecia cegamente às ordens divinas, sem perguntas, sem questionamentos. “Missão dada é missão cumprida.” Saul era muito mais humano que Davi. Ele recebia uma ordem, mas o seu lado humanista o levava a pensar, a repensar, a avaliar a sua ação. E foi agindo assim que perdeu seu reinado.

            Leiam com atenção o capítulo oito. Vejam que atitude mais bonitinha de Saul quando Samuel diz que ele será o primeiro rei de Israel. Antes, vejam a descrição que se faz dele: o mais belo israelense, mais alto que um israelense comum. Mas isso não fez dele um cabra metido a besta. Ao ser informado da escolha divina através de Samuel, ele reage assim: “peraí, companheiro profeta, deve ter algum engano. Pra começar, sabe aquela tribo miudinha, a menor de Israel, Benjamim? Eu sou dela. Não sou das tribos grandes, poderosas. E tem mais, a minha família, companheiro, é a menos influente, a menorzinha da menor tribo. Tem certeza?” Esse comportamento indica uma humildade tão grande, uma simplicidade tão bonitinha da parte de Saul. E aí a gente já começa a gostar dele.

            Bom, então o capítulo dez narra a unção de Saul. Todas as tribos são convocadas, a “tribozinha” de Benjamim é destacada, a família de Saul apresentada, e as coisas vão acontecendo. Epa, cadê Saul? Todos estão aqui, mas e o rei? Ah, que coisa mais linda e mais fofa. O rapaz bonito, alto e humilde, que seria nesse momento ungido rei de Israel, também era tímido, não gostava de mídia. Então se escondeu na bagagem. Acho linda essa cena. Nem acho que fosse medo não, ele era tímido, tadinho. E provavelmente ainda estava em choque com a velocidade dos acontecimentos. Gente, ele tinha ido a Samuel simplesmente para tentar encontrar uns animais, de propriedade de seu pai, que tinham fugido. Quando chega lá, antes de dizer qualquer coisa sobre o que queria, Samuel vai dizendo ao bichinho: “Ih, rapaz, fica tranquilo que o problema dos animais do teu pai está resolvido. Mas olha só, tenho uma notícia para você: você será ungido rei de Israel.” Gente, uma notícia dessa, inesperada, derruba qualquer um. Ele não estava acreditando nisso tudo, mas quando vê aquela multidão, aquele cerimonial todo, aqueles holofotes, ele tenta se esconder, mas não consegue. É o próprio Deus que entrega o bichinho: “ah, ele tá ali no meio da bagagem”. Então ele é trazido para o meio do povo e declarado rei. Na sequência, a narrativa vai informar que o Espírito de Deus vem sobre ele e aquele garoto tímido transforma-se num guerreiro valente, mas nem por isso perde a sensibilidade.
            Ainda nesse mesmo capítulo, aparece sua primeira oposição: os filhos de Belial não reconhecem seu reinado, e se referem a ele com desdém. E sabe o que faz o novo rei? “Se fez como surdo.”  Ele já poderia ter seu primeiro piti no poder e exigir outro comportamento daquele grupo. Que nada. Nem deu ouvido aos comentários.
            Queridos, quando lideramos com sensibilidade, aprendemos que uma “oposição” equilibrada, sensata nos ajuda muito a crescer, a amadurecer. E a essa oposição, que apenas pensa diferente de nós, mas quer o bem do grupo, devemos ouvir sempre. Por outro lado, aquele tipo de oposição que só quer ser do contra, que critica, mas nunca apresenta uma sugestão, a essa não devemos mesmo ouvir. Saul nem tinha tido tempo de tomar qualquer medida como rei, e os caras já estavam dizendo: “ah, é esse cabra, que se esconde entre as bagagens no dia de sua apresentação ao povo, que será o nosso rei? Dá não.” Foi uma crítica precipitada, claro. Mas Saul foi muito sábio: fez-se de surdo.

            E então vem o capítulo 11. Repito: que cara fantástico que foi Saul! Ele, já como rei, conquista sua primeira vitória, contra os amonitas. Então o povo, eufórico com a vitória contra Naás, um fanfarrão danado, comenta com Samuel, diante de Saul: “sabe aqueles caras que desdenharam de Saul, dizendo que ele não poderia reinar sobre nós? Vamos arrebentá-los, vamos matar esses caras.” E Saul, com toda a sua sensibilidade: “Nada de mortes. Hoje não morre mais ninguém por aqui. Quem tinha que morrer já está morto.” Gente, fala sério, que coisa mais linda! Saul, ao contrário de Davi, não tinha problemas com oposição, sabia administrar isso numa boa, e não permitiu, de jeito nenhum, que aqueles homens fossem mortos simplesmente porque discordavam dele ou porque não o reconheciam como rei. Agora, vejam Davi, naquele episódio da lição 2, o piti que ele deu porque Nabal se recusou a reconhecer seu reinado: “ah, é, vamos lá então matar todo mundo.” E Saul, no episódio de hoje: “não morre mais ninguém por aqui. Deus já nos deu um grande livramento, por que matar gente nossa?”. É ou não é um cabra sensível o nosso personagem de hoje? E antes que você diga: “peraí, mas ele tentou matar Davi mais tarde!” Gente, estamos estudando recortes da vida de cada personagem, não a vida toda deles, não uma biografia completa. Em algum momento da vida, todos nós erramos, e eles também. O que queremos mostrar é que Saul não foi o monstro que nos apresentam, e nem Davi foi o homem justo que tentam nos dizer que foi. Os dois tiveram erros e acertos. Nós erramos e acertamos. Os personagens bíblicos não foram homens e mulheres diferentes de nós, apenas viveram em contextos diferentes dos nossos. Gosto muito de Saul, admiro-o. Não gosto que falem mal dele o tempo todo não.

            No capítulo 13, Samuel dá um esporro nele porque ele se precipita e oferece sacrifício ao Senhor. Tadinho do bichinho. Samuel tinha combinado com ele um tempo de espera, sete dias. Esse tempo passou, e nada de Samuel chegar; uma situação de guerra, o povo pressionando, ele tendo que agir como líder, tendo que dar uma satisfação ao povo. Ele precipita-se e perde ali seu reinado. Caso parecido foi o de Moisés no episódio em que deveria falar à rocha, mas ao invés disso, deu uma cajadada. Gente, imagina o estresse dessas pessoas, a pressão que sofriam naquele momento!? Não tinham muita escolha não, e na intenção de agir, na ansiedade de resolver (todo líder passa por situações assim) acabaram se precipitando um pouco. Mas observe no desenrolar da narrativa: ele não discute com Samuel em momento nenhum. Tenho a impressão de que abaixou a cabeça e seguiu seu caminho. Gosto mesmo desse cara.
           
            Ah, o capítulo 15 me dá uma tristeza tão grande. Saul recebe uma ordem: acabar com os amalequitas. E veja só que preocupação humanística ele tinha. Entre os amalequitas, viviam os queneus, um outro grupo, um outro povo. E esse grupo tinha sido legal com Israel, diferente dos amalequitas. Pois bem, Saul tem a preocupação de avisar aos queneus para que saíssem daquele território porque os amalequitas, e somente eles, seriam destruídos. Muito bacana da parte dele. Depois da saída dos queneus, o território é invadido e os amalequitas exterminados, um horror. Saul resolve ouvir o povo e permitir que peguem o que quiserem como espólio de guerra. E naquela guerra isso não deveria acontecer. E mais: ele resolve poupar a vida do rei, e leva-o consigo. Foi a gota dágua. É o próprio Samuel que mata o rei amalequita com requintes de crueldade. Saul está destituído! Mas vejam que bonitinho nos últimos dois versos acima, desse capítulo: ele reconhece que errou e quer pedir perdão. Tudo bem, mas está destituído de qualquer jeito. Ah, tadinho! Pecar por ouvir o povo é tão bonitinho para um governante!
            E aí? consegui convencê-los a terem um outro olhar sobre Saul? Ele foi mesmo um cabra bacana. Deus o escolheu e o rejeitou. Isso é outro papo. Mas ele foi um ser humano e tanto!


LIÇÃO 08   - 01/04/2012

SAMUEL, EXEMPLO DE ÉTICA

I SAMUEL 12

1  ENTÃO disse Samuel a todo o Israel: Eis que ouvi a vossa voz em tudo quanto me dissestes, e constituí sobre vós um rei.
Agora, pois, eis que o rei vai adiante de vós. Eu já envelheci e encaneci, e eis que meus filhos estão convosco, e tenho andado diante de vós desde a minha mocidade até ao dia de hoje.
Eis-me aqui; testificai contra mim perante o SENHOR, e perante o seu ungido, a quem o boi tomei, a quem o jumento tomei, e a quem defraudei, a quem tenho oprimido, e de cuja mão tenho recebido suborno e com ele encobri os meus olhos, e vo-lo restituirei.
Então disseram: Em nada nos defraudaste, nem nos oprimiste, nem recebeste coisa alguma da mão de ninguém.
E ele lhes disse: O SENHOR seja testemunha contra vós, e o seu ungido seja hoje testemunha, que nada tendes achado na minha mão. E disse o povo: Ele é testemunha.

CAPÍTULO 8

E SUCEDEU que, tendo Samuel envelhecido, constituiu a seus filhos por juízes sobre Israel.
E o nome do seu filho primogênito era Joel, e o nome do seu segundo, Abia; e foram juízes em Berseba.
Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele, antes se inclinaram à avareza, e aceitaram suborno, e perverteram o direito.


            Bom domingo, meu povo querido. Estamos aqui para mais um dedinho de prosa. Dessa vez, falaremos sobre Samuel, o filho de Ana e de Elcana. Lembram da história do nascimento dele, né? Pois é, nosso Samuel foi crescendo na presença do Senhor, segundo Seus caminhos, e tornou-se profeta de Israel. Na verdade, ele exerceu triplo ministério em Israel: sacerdote, profeta e juiz. Foi o último dos juízes. Depois dele, começa a monarquia hebraica, com Saul.

         Samuel acertou no ministério, mas errou na educação dos filhos. Mesmo caso de Eli, o sacerdote. E isso não é legal, não é bonito, evidentemente. Mas antes de vocês condenarem essa gente que se dedica demais ao ministério, e pecam com a família, deixem-me dizer uma coisa: muitos fazem isso por paixão, por amor absoluto a causa, e não se dão conta de que estão falhando em outros setores. Então vamos combinar assim: se você é filho/filha, esposo/esposa de uma criatura dessas, sempre que ela estiver envolvida demais com o ministério, com a profissão ou com as causas em que acredita, e “esquecendo” de vocês, deem um “chega pra cá” nele, faça-o entender que você está ali querendo atenção, carinho, tempo;  tire o cabra um pouquinho do foco ministerial ou profissional. Eles não fazem por mal não. Tá bom, pode substituir esse eles aí por nós, mas não esqueça de alterar o verbo para fazemos.

            Queridos e Isac, a ordem hierárquica das coisas em nossa vida precisa ser: Deus, família, igreja, etc... O ministério é muito importante, seja ele qual for, mas a família precisa ser prioridade. Fui claro, Isac? Tenho me esforçado. Tenho muitas paixões. Ih, mas passo longe do caso Eli, do caso Samuel. Meu pequeno não é perfeito, graças a Deus, mas é um moleque muito ético, com uns comportamentos de esquerda... lindo.

            Bom, mas voltemos ao foco de hoje: Samuel.

TAL PAI, NÃO TAL FILHO

            Samuel foi um líder e tanto. Coube a ele ungir o primeiro rei de Israel, mesmo não concordando com a instituição de uma monarquia. Também coube a ele a difícil missão de destituir esse mesmo rei, informando-o que havia sido rejeitado, nosso querido Saul, da lição anterior. Mas  Saul era tão gente boa que Samuel teve dó do bichinho, e ainda tomou um esporro de Deus por conta disso. Também coube a Samuel ungir a Davi, o segundo rei de Israel.
            O primeiro texto selecionado para a lição de hoje, I Samuel 12, nos mostra um Samuel no final de seus ministérios, desafiando o povo judeu a apontar nele algo de errado, de comprometedor, de suspeito que ele tenha feito contra o povo. O texto é de uma belezura sem tamanho, e mostra o quanto nosso personagem de hoje foi ético no cumprimento de seus deveres: “se vocês conhecem alguém que eu tenha oprimido de alguma forma, ao longo da minha vida, para me beneficiar, tragam essa pessoa aqui; se alguém sabe de algum suborno que eu tenha recebido de alguém para fechar meus olhos diante do erro, tragam aqui a pessoa que me subornou”. E o povo responde: “Nada disso aconteceu, companheiro Samuel. Você nunca oprimiu ninguém, nunca aceitou suborno para inocentar ou culpar alguém, você nunca recebeu nada que não devesse ter recebido.” Que fofeza de líder! Que exemplo! Nossos políticos brasileiros, especialmente os da chamada bancada evangélica precisam ler, precisam ouvir, precisam entender esse texto; alguns líderes cristãos também precisam. Samuel tinha convicção de sua integridade. Do contrário, jamais ousaria fazer esse desafio. Ele sabia que não tinha feito nada do que citou. Quando tão temos convicção de nossas atitudes, melhor ficarmos quietos, revermos nossos conceitos, nos reorganizarmos. Mas se temos convicção, como Samuel, então podemos fazer como ele: “apontem minhas injustiças para com o povo”. E do outro lado, o silêncio total. Isso é de uma lindeza sem tamanho. Me faz lembrar o nosso “amontoador de gravetos”: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” É desse jeito que quero encerrar meu ministério, minha profissão, minha carreira, daqui a uns 40 anos: convicto de minha integridade, como Samuel. Convicto de não ter negociado minha fé, meus valores, como Paulo.
           
            O capítulo 8 do mesmo livro (I Samuel) traz a parte feia da história de nosso personagem de hoje: seus filhos. Samuel os constituiu juízes também sobre Israel, mas diferente do pai, andando por caminhos completamente diferentes dos caminhos dele, tornaram-se avarentos, aceitaram suborno e perverteram o direito. Que frustração! “Filho de Samuel Samuelzinho não é”.
            Ah, companheiros e companheiras, e por falar nisso, ou seja, em Samuel tornando seus filhos juízes, lembro-me de um fato contemporâneo um pouco parecido. Bom, no caso de Samuel, porque ele era juiz, entendeu que seus filhos também deveriam ser. Ao longo da história, ocorreu na igreja uma situação chamada de clericalismo, bastante comum ainda hoje, que consiste no seguinte: um cidadão por ser pastor, entende que seus filhos também têm que ser, ordena-os ao ministério pastoral, mesmo que não tenham um chamado para isso e empurra-os guela a baixo da igreja, e quando se aposentam, querem, de qualquer jeito, que o filho seja seu sucessor, mantendo assim o poder pastoral na família. Isso não faz sentido. O chamado é individual e independe de ser pai ou filho. E o que dizer daquelas igrejas em que a esposa do pastor obrigatoriamente precisa ser pastora. É um “chamado” por tabela?
            Na verdade, queridos e queridas, não se pode cobrar dos filhos o mesmo comportamento dos pais. Nossos filhos não são cópias nossas, são outros seres humanos que originam-se de nós. Os filhos de Samuel não tinham que ser necessariamente éticos como o pai, simplesmente por serem filhos dele. Mas já que não eram, então não precisavam ser juízes também. Sou apaixonado pelo magistério. Estou no ramo, profissionalmente,  há quase vinte anos; e no ministério de ensino, há vinte e cinco anos. Comecei bem cedo. Ficaria muito feliz mesmo se meu filho também abraçasse o magistério, mas em hipótese alguma exigiria isso dele; está dando sinais de que não será professor e é um direito do cabra. Se eu o obrigo a seguir minha profissão, meu ministério (para mim, as duas coisas se misturam), ele não o fará apaixonado como eu faço. Pode ter sido o caso dos filhos de Samuel. “Meus filhos serão juízes como eu sou.” Não era a praia dos caras. Então eles viram ali uma oportunidade de se corromperem, de se darem bem. E foi lamentável. Eu escolhi minha profissão. Quero que o meu filho escolha a dele. Mas seja lá o que for fazer, quero que seja ético, apaixonado, feliz, e que exerça sua profissão em benefício das pessoas também, que não seja apenas uma forma de ganhar dinheiro, mas de realizar-se e de abençoar pessoas.
            Quando o povo vai a Samuel pedir um rei, um dos argumentos é que Samuel está velho, e seus filhos não são moralmente capacitados para substituí-lo. Tudo bem, se eles apenas não quisessem ser juízes, mas muito triste não seguirem o padrão moral e ético do pai.

MAS AFINAL DE CONTAS, O QUE É MESMO ÉTICA?

é.ti.ca (dicioário Michaelis)
s. f. 1. Parte da filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. 2. Conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão.

            Não apenas no exercício de uma profissão, mas no exercício de um ministério, no dia a dia da vida. Ser ético, na prática, significa pensar no direito do outro e respeitar esse direito. Significa não oprimir nem explorar outro ser humano em meu benefício. Significa chegar a um banco, a um parque de diversões, a um hospital, e mesmo vendo um conhecido lá no início da fila, entender que entre mim e esse conhecido existem várias outras pessoas, e que se eu tentar entrar na frente daquele conhecido, vou estar desrespeitando o direito de todas essas pessoas. Ser ético significa parar para refletir que se em determinado cenário parece que estou me dando bem em detrimento de outros, tem alguma coisa errada. Ser ético significa não avançar o sinal vermelho a qualquer momento do dia ou da noite, a menos que a permanência ali, efetivamente represente riscos, para mostrar ao meu filho, que também está no carro, que a leis não têm hora, que precisam ser respeitadas em todas as horas. Ser ético significa ensinar ao meu filho que ele é a coisinha mais fofa e mais importante da MINHA vida, mas ele não é a coisinha mais fofa e mais importante da igreja, da comunidade, da escola, do planeta. Nessas situações, ele é apenas mais um. Não posso levá-lo a acreditar que o mundo gira em torno dele e que tudo está a disposição dele. Assim, se vou a uma festinha de aniversário com o meu filho de 3 ou 4 anos, e ele dá um piti querendo bolo, preciso dizer-lhe que todas as outras crianças ali também querem, e que ele precisa esperar. Se os pequenos estão numa fila para pegar seu bolinho, não posso pegar o meu pequeno no colo, passar a frente de todos, e pedir ao adulto que está distribuindo bolo para que dê logo o pedacinho do meu filho para que ele não tenha um ataque. Na verdade, o meu pequeno está tendo um ataque de má educação  e eu estou tendo um ataque de egoísmo, e estou ensinando ao meu filhinho que no grito ele consegue tudo, e que aquelas crianças da fila não são importantes. Estamos formando os monstros egoístas de amanhã que vão furar filas, que vão cortar pelo acostamento quando o trânsito para, que vão achar que todos precisam agir em benefício dele. E vamos ainda querer malhar a educação dos filhos de Samuel? Afinal de contas, o que é ser ético para você? Não roubar, não matar, não desviar dinheiro público...? Gente, as coisas que parecem pequenas são muito grandes. Hoje, podemos melhorar a geração de amanhã, mas também podemos criar monstrengos egoístas e egocêntricos que nos envergonharão em breve.

LIÇÃO 09  -  15/04/2012

RAABE, UMA PROSTITUTA NA GENEALOGIA DE JESUS

Josué 2

E JOSUÉ, filho de Num, enviou secretamente, de Sitim, dois homens a espiar, dizendo: Ide reconhecer a terra e a Jericó. Foram, pois, e entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raabe, e dormiram ali.
Porém aquela mulher tomou os dois homens, e os escondeu, e disse: É verdade que vieram homens a mim, porém eu não sabia de onde eram.
18  Eis que, quando nós entrarmos na terra, atarás este cordão de fio de escarlata à janela por onde nos fizeste descer; e recolherás em casa contigo a teu pai, e a tua mãe, e a teus irmãos e a toda a família de teu pai.
19  Será, pois, que qualquer que sair fora da porta da tua casa, o seu sangue será sobre a sua cabeça, e nós seremos inocentes; mas qualquer que estiver contigo, em casa, o seu sangue seja sobre a nossa cabeça, se alguém nele puser mão.
25  Assim deu Josué vida à prostituta Raabe e à família de seu pai, e a tudo quanto tinha; e habitou no meio de Israel até ao dia de hoje; porquanto escondera os mensageiros que Josué tinha enviado a espiar a Jericó.
Mateus 1:5 
E Salmom gerou, de Raabe, a Boaz; e Boaz gerou de Rute a Obede; e Obede gerou a Jessé;
Hebreus 11:31
Pela fé Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias.
Tiago 2:25  E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários, e os despediu por outro caminho?


RAABE – TRAIDORA OU HEROÍNA?

            Pessoas, tudo é uma questão de ponto de vista. Vamos lembrar que a história oficial é sempre contada do ponto de vista do vencedor. Nunca do ponto de vista do vencido. Assim, para os “jericoenses” (deve ser esse o adjetivo pátrio para quem nascia em Jericó), Raabe foi uma baita traidora, entregou seu povo numa boa em troca de proteção para ela e sua família. Já para os hebreus, foi uma heroína, pois além de esconder e proteger os espias, deu informações privilegiadas a eles.
            Agora, vou defender Raabe um pouquinho, embora a veja como uma traidora do seu povo. A questão é: o que a teria levado a trair sua gente dessa forma? É provável que você responda que ela teve temor de Deus a julgar pelos argumentos que apresenta no texto de Josué 2. Tudo bem, mas por outro lado, vejamos o seguinte: ela era prostituta, e em todas as culturas que conhecemos, as prostitutas são pessoas excluídas, ignoradas pelo estado, que vivem à margem da sociedade sem os direitos básicos de cidadania. Pois bem, é possível que tenha passado pela cabeça de Raabe alguma coisa assim: “se o meu país não me protege, por que tenho que proteger meu país? O estado não faz nada por mim ou pela minha família, moro numa favela (desculpa gente, em uma comunidade) em cima dos muros da cidade, esse exército que está vindo vai tomar a cidade, então vou ficar do lado deles e salvar minha vida e a de minha família.”  Então foi isso que ela fez. E foi muito espertinha ainda, enchendo a bola do povo hebreu e demonstrando razoável conhecimento sobre as operações militares divinas.

            Gente, por falar em operações militares divinas, ou em Jihad (guerra santa), como chamam os mulçumanos, essa imagem de um Deus guerreiro é exclusiva do Velho Testamento. No Velho Testamento, Deus está quase sempre estressado, conduzindo guerras, uma coisa complicada de se entender, pelo menos para mim. É um tal de invadir cidade, matar a população inteira sem poupar nem mesmo mulheres, velhos e crianças, uma coisa horrorosa. Essa imagem desse Deus guerreiro, varão de guerra, general dos exércitos de Israel é exclusiva daquele tempo. No Novo Testamento, a partir da materialização do Cristo, tudo é diferente, tudo é lindo, não há mais estresse divino, a graça de Deus é abundante, não há mais imagem de guerra, só de paz e amor, “só love, só love”, uma coisa linda. As pessoas do tempo de Jesus encarnado esperavam que ele fosse um guerreiro, um varão de guerra, um general, e ele nem aí: “amem seus inimigos, somos todos iguais, judeus e romanos são iguais, homens e mulheres são iguais, judeus e samaritanos são iguais...” Ah, que coisa mais fofa esse discurso da igualdade. Jesus deve ter o maior orgulho do nosso irmão franciscano Leonardo Boff e sua Teologia da Libertação, deve ter o maior orgulho do nosso irmão René Padilha e sua Teologia da Missão Integral, e deve dar muitas risadas estressadas da turma da Teologia da Prosperidade, que parece não ter entendido nada do seu ministério terreno. Enfim, já que vivemos a abundante graça de Deus a partir do sacrifício de Cristo, então vamos parar, se é que já não paramos, com aquela mania de Davi (mas a ele nós perdoamos, pois foi anterior a graça, foi do tempo das guerras) de pedir a Deus para destruir seus inimigos, para humilhá-los. Vamos entrar na fase do Novo Testamento, e pedir a Deus para que nos faça amar nossos supostos inimigos. Companheiros e companheiras, temos de tomar uma decisão: ou vivemos o Velho Testamento, com suas leis, suas regras do tipo pente fino, querendo guerrear contra todos que achamos ser inimigos, e assimilamos também para nós as punições para cada regra desrespeitada, e não são poucas; ou vivemos as belezuras da encarnação de Cristo, a graça abundante do Novo Testamento, e então esquecemos aquela paranoia de guerras, e amamos. Vocês, mais madurinhos (a turma com mais de 40) lembram de uma das cenas mais bonitas aqui no Brasil de protestos contra a ditadura militar (isso mesmo, aquele movimento que recuou a história do nosso país em uns 50 anos) em que os estudantes foram “enfrentar” os soldados armados, com flores, e depositavam uma flor aos pés de cada soldado, ou no próprio armamento? É de alguma coisa parecida com isso que estou falando. As guerras ficaram no Velho Testamento, agora são flores, graça abundante, amor ao próximo, mesmo que esse próximo queira coisas diferentes de nós, pense diferente de nós, não goste de nós. Meu herói, de verdade, é Cristo, com seu discurso de paz, amor, tolerância, e não Josué com suas campanhas militares. Que ele seja herói dos israelenses. O meu herói, repito, é Cristo. Por favor, não entendam que eu esteja desmerecendo o companheiro Josué, de jeito nenhum. Ele fez o papel dele naquele momento da história, mas eu sou da geração paz e amor... de Cristo.


COMO ASSIM, UMA PROSTITUTA ESTRANGEIRA NA GENEALOGIA DE JESUS?

            Do ponto de vista dos fundamentalistas e nacionalistas judeus, eu não sei o que é mais grave: Raabe fazer parte da genealogia de Jesus, tendo sido uma prostituta ou tendo sido estrangeira. O fato é que a presença dela na genealogia do Cristo encarnado é a coisa mais linda. E digo mais, logo na geração seguinte aparece Rute, que também não foi nenhum poço de ética, de comportamento impecável. Na próxima lição, vou contar um segredinho dela para vocês. Mas sabe o que isso nos indica, companheiros e companheiras: não existem famílias perfeitas, impecáveis. Mesmo que queiramos esconder, em nosso passado familiar pode ter alguma coisa que não seja tão linda, alguma pessoa bem longe da perfeição. E sabe o que isso também indica? Somos normais, somos gente. Na linhagem de Jesus tem umas ocorrências bem complicadas: tem um rei matador e adúltero (quase psicopata) chamado Davi, tem uma prostituta traidora do seu povo chamada Raabe, tem uma simpática garota viúva de quem gostamos muito, chamada Rute, que teve que dar um “jeitinho” nada bonito para sobreviver, e tem muito mais gente “suspeita”, é só você ver a genealogia e ir buscando informações na própria Bíblia sobre as pessoas. E então, você ainda acha que a sua família, que a minha família têm mesmo que ser perfeitas? A de Cristo também não foi. E isso é maravilhoso!  Minha “quase filha” fofa, agora também parceira no livro “Igreja 10Cartável”, Stephanie Zuma, tem um texto lindo, um sermão que ela escreveu, com o título “A Família Imperfeita do Perfeito”, em que ela fala da genealogia de Jesus. No momento, só quero dar ênfase ao título.
           
AFINAL DE CONTAS, RAABE FOI JUSTIFICADA PELA FÉ OU PELAS OBRAS?

            Também é uma questão de ponto de vista. Para o escritor da epístola aos hebreus, foi justificada pela fé: ouviu algumas histórias sobre o Deus de Israel, temeu, teve fé, colaborou, foi justificada. Para Tiago, foi justificada pelas obras: ouviu algumas histórias sobre o Deus de Israel, temeu, teve fé, agiu. Segundo Tiago, se tivesse parado no “teve fé”, essa fé teria sido improdutiva. Mas ela agiu. Então a fé genuína produz obras. Então vamos combinar assim: “sem fé é impossível agradar a Deus” e essa fé que agrada a Deus é sempre capaz de produzir boas obras. Combinado? Então toda vez que orarmos por alguém, vamos também agir. Combinado.


LIÇÃO 10   -   22/04/2012

RUTE E O SEU “JEITINHO” PARA SOBREVIVER

Rute 1

E morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela com os seus dois filhos,
Os quais tomaram para si mulheres moabitas; e era o nome de uma Orfa, e o da outra Rute; e ficaram ali quase dez anos.
E morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada dos seus dois filhos e de seu marido.
Então se levantou ela com as suas noras, e voltou dos campos de Moabe, porquanto na terra de Moabe ouviu que o SENHOR tinha visitado o seu povo, dando-lhe pão.
16  Disse, porém, Rute: Não me instes para que te abandone, e deixe de seguir-te; porque aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus;
17  Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada. Faça-me assim o SENHOR, e outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti.
18  Vendo Noemi, que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou de lhe falar.

CAPÍTULO 3

E DISSE-LHE Noemi, sua sogra: Minha filha, não hei de buscar descanso, para que fiques bem?
Ora, pois, não é Boaz, com cujas moças estiveste, de nossa parentela? Eis que esta noite padejará a cevada na eira.
Lava-te, pois, e unge-te, e veste os teus vestidos, e desce à eira; porém não te dês a conhecer ao homem, até que tenha acabado de comer e beber.
E há de ser que, quando ele se deitar, notarás o lugar em que se deitar; então entrarás, e descobrir-lhe-ás os pés, e te deitarás, e ele te fará saber o que deves fazer.
E ela lhe disse: Tudo quanto me disseres, farei.
Então foi para a eira, e fez conforme a tudo quanto sua sogra lhe tinha ordenado.
Havendo, pois, Boaz comido e bebido, e estando já o seu coração alegre, veio deitar-se ao pé de um monte de grãos; então veio ela de mansinho, e lhe descobriu os pés, e se deitou.
E sucedeu que, pela meia noite, o homem estremeceu, e se voltou; e eis que uma mulher jazia a seus pés.

E disse ele: Quem és tu? E ela disse: Sou Rute, tua serva; estende pois tua capa sobre a tua serva, porque tu és o remidor.
11  Agora, pois, minha filha, não temas; tudo quanto disseste te farei, pois toda a cidade do meu povo sabe que és mulher virtuosa.
14  Ficou-se, pois, deitada a seus pés até pela manhã, e levantou-se antes que pudesse um conhecer o outro, porquanto disse: Não se saiba que alguma mulher veio à eira.
4: 10  E de que também tomo por mulher a Rute, a moabita, que foi mulher de Malom, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herança, para que o nome do falecido não seja desarraigado dentre seus irmãos e da porta do seu lugar; disto sois hoje testemunhas.

            Pessoas queridas, vou “traduzir” do meu jeito isaquiano essa história, tá? Vamos lá: Noemi e suas duas noras, Orfa e Rute, estão viúvas. Então Noemi chama as duas para uma conversa e diz: “meninas, voltarei para minha terra, para meu povo, e proponho que vocês voltem cada uma para as suas famílias. Orfa chora um bocado, abraça a sogra e a “cunhada”, se despede e volta para sua parentela. Rute gruda-se a Noemi e faz aquela declaração linda dos versos 16 e 17 do capítulo 1. Então voltam juntas para Judá. Lá chegando, se arranjam  e vão pegar o que sobra da colheita. Essa prática era chamada de “respigar os campos”, e está descrita em Lv 23:22 e Dt 24:19 como uma medida de combate emergencial às desigualdades sociais.

E, quando fizerdes a colheita da vossa terra, não acabarás de segar os cantos do teu campo, nem colherás as espigas caídas da tua sega; para o pobre e para o estrangeiro as deixarás. Eu sou o SENHOR vosso Deus.
Quando no teu campo colheres a tua colheita, e esqueceres um molho no campo, não tornarás a tomá-lo; para o estrangeiro, para o órfão, e para a viúva será; para que o SENHOR teu Deus te abençoe em toda a obra das tuas mãos.
           
Noemi e Rute estão numa situação de miséria, abaixo da linha da pobreza. Rute, que devia ter uns 30 anos de idade, cai nas graças de Boaz, que devia ter uns 50. E Noemi percebe aí uma chance de arranjar um casamento para a nora através do “levirato”. A prática do levirato (Dt 25:5-7) era exclusiva entre cunhados, mas em algum momento deve ter sido estendida a parentes mais distantes. Então Noemi dá uma ideia a Rute para que esta dê seu jeitinho de fisgar o cara.

            Gente, antes de fazermos qualquer juízo de valor sobre a atitude nada bonita de Noemi e Rute, vamos lembrar o seguinte: uma mulher sem marido valia muito pouco; agora uma mulher sem marido e estéril, como era o caso de Rute, valia menos ainda. As duas, sogra e nora, como viúvas, nunca iam conseguir ultrapassar a linha da pobreza absoluta. Então é nesse contexto, que Noemi orienta Rute a fazer o seguinte: “Menina, você é novinha, bonitinha, fofinha, e precisa logo arrumar um marido; eu me sinto responsável por você. Então você vai fazer tudo o que eu disser. Tudo bem?” E Rute, evidentemente, concorda. “Então... toma banho, veste o melhor vestido que você conseguir, põe um perfume legal, e vai lá no alojamento à noite. Tá bom, minha filha, eu sei que mulheres não podem aparecer lá assim, mas você vai. Quando a colheita terminar, os homens vão beber, vão encher a cara, e depois vão dormir. Pois bem, então você vai entrar lá, no sapatinho, e vai deitar-se com Boaz. Quando ele acordar de cara cheia, da ressaca, vai ficar desesperado por você estar ali, então você vai dizer a ele que ele é o teu remidor, que deverá casar-se contigo. Ele não vai querer que ninguém saiba que você dormiu lá com ele. Então te pagará pelo silêncio.”
            Alguns pesquisadores do texto hebraico, entre eles o doutor Valtair Miranda, do Seminário do Sul, defendem a ideia de que a expressão “descobrir os seus pés” é um eufemismo para “levantar seu vestido (sua túnica), expor o seu pênis e deitar sobre ele.” Isso faz bastante sentido, pelo menos por duas razões: Primeira - “Se Rute ia deitar-se ao lado do cara, por que a preocupação de descobrir-lhe os pés literalmente? Qual o peso que isso teria?” Segunda – o susto que o cara toma quando acorda denota algo mais do que os pés descobertos. E como ele tinha deitado de cara cheia, o que Rute dissesse, ele teria que acreditar. Se ela fosse descoberta ali, naquela situação, poderia ser apedrejada. Foi um plano de alto risco. Por outro lado, se ele resolvesse declarar-se inocente e expor a menina, se exporia também, pois “seus pés” estaria ainda exposto, no caso de flagrante. Ele então, que já estava mesmo a fim  da viuvinha fofa, resolve “pagar” pelo silêncio (verso 14) dela e fazer tudo o que ela havia dito para ser feito (verso 11). Observe que quando ele a percebe, ela também está exposta, pois pede para que ele a cubra com sua capa. Foi um golpe e tanto.  Ainda sobre o “descobrir os pés”, ou seja, levantar o vestido, é bom lembrar que o hábito de usar roupas de baixo é uma prática moderna. Na época de Boaz, os homens usavam apenas os vestidos, assim como as mulheres. Logo, se os dois estavam com “os pés” de fora, então tinha rolado alguma coisa, tinha sido uma noitada. Como o cara ia dizer que não, se estivera bêbado? O melhor a fazer, era casar-se com ela. Mas ele era um cara ético, cumpridor dos seus deveres legais, tanto que lembra que existia na cidade um parente mais próximo dela que ele, e ele precisaria  conversar com esse cara antes de  casar-se com Rute. Se o cara aceitasse, ele teria que desistir dela. E a julgar pela narrativa, ele vai conversar com o cara torcendo para ele abrir mão do dever de casar-se com Rute. Ufa! O Cara renuncia. Uhu. Então se casam e são felizes para sempre.
            Olha, gente, ele já estava a fim dela desde que a viu “respigando o campo”, tanto que diz a um dos seus trabalhadores: “faz o seguinte, deixa essa menina colher onde ela quiser... melhor ainda: deixa cair uns punhados de cevada para ela pegar.” Depois a convida para comer junto com os trabalhadores. Huuummmm... Já tava rolando um clima. Depois aquela conversinha dela: “por que achei graças aos olhos do meu senhor?” Parece que foi paixão a primeira vista. Ah, não sei dizer com convicção, não há indícios no texto, mas numa sociedade patriarcal como aquela, é pouco provável que um homem bem sucedido de talvez uns 50 anos de idade, já não fosse casado; poderia ser viúvo, como ela; provavelmente tinha filhos, mas nada se fala a esse respeito. A ênfase da narrativa é Rute e não a provável família dele.
            Enfim, queridos e queridas, bonito o que ela fez? De jeito nenhum, mas naquele momento era a única saída que Noemi conseguiu visualizar. Ah, sim, depois ela deixou de ser estéril e teve um filho com Boaz: Obede, avô de Davi. Pronto. Rute também está na linhagem de Jesus. Mais uma estrangeira. Vamos recapitular as mulheres estrangeiras na linhagem dele. Ah, estrangeiras e não necessariamente santas: Raabe, prostituta; Bate-Seba, mulher de Urias, aquela do banho público que deixou Davi doidinho; Rute, a golpista.  “A família imperfeita do perfeito.” Uma belezura!

RELACIONAMENTO SOGRA-NORA NO MODELO DE RUTE

            Não poderia deixar de abordar esse aspecto do livro: o relacionamento lindo entre Noemi e Rute. Rute faz aquela declaração linda dos versos 16 e 17, e Noemi continua sentindo-se responsável por ela depois da morte do filho. Que coisa mais fofa!
            Quem de vocês, meninas (mais meninas que meninos) diriam algo tão bonito a sua sogra? E quem de vocês, sogras, fariam ou fazem isso (esse cuidado todo com a nora)? É lindo isso: essa relação de amizade existente entre ambas.
            Quer fazer um testezinho para saber o nível de envolvimento entre você e sua sogra? É só você pensar assim: quando meu cônjuge morrer, ou, eventualmente, num caso de separação, manterei contato com minha sogra? Dependendo da conclusão a que você chegue, saberá, com clareza, o nível de envolvimento. E aí, é parecido com Rute e Noemi?


LIÇÃO 11   -  29/04/2012

VASTI, UMA RAINHA INJUSTIÇADA

ESTER 1

No terceiro ano do seu reinado, fez um banquete a todos os seus príncipes e seus servos, estando assim perante ele o poder da Pérsia e Média e os nobres e príncipes das províncias,
Também a rainha Vasti deu um banquete às mulheres, na casa real, do rei Assuero.
10  E ao sétimo dia, estando já o coração do rei alegre do vinho, mandou a Meumã, Bizta, Harbona, Bigtá, Abagta, Zetar e Carcas, os sete camareiros que serviam na presença do rei Assuero,
11  Que introduzissem na presença do rei a rainha Vasti, com a coroa real, para mostrar aos povos e aos príncipes a sua beleza, porque era formosa à vista.
12  Porém a rainha Vasti recusou vir conforme a palavra do rei, por meio dos camareiros; assim o rei muito se enfureceu, e acendeu nele a sua ira.
15  O que, segundo a lei, se devia fazer à rainha Vasti, por não ter obedecido ao mandado do rei Assuero, por meio dos camareiros.
16  Então disse Memucã na presença do rei e dos príncipes: Não somente contra o rei pecou a rainha Vasti, porém também contra todos os príncipes, e contra todos os povos que há em todas as províncias do rei Assuero.
17  Porque a notícia do que fez a rainha chegará a todas as mulheres, de modo que aos seus olhos desprezarão a seus maridos quando ouvirem dizer: Mandou o rei Assuero que introduzissem à sua presença a rainha Vasti, porém ela não veio.
18  E neste mesmo dia as senhoras da Pérsia e da Média ouvindo o que fez a rainha, dirão o mesmo a todos os príncipes do rei; e assim haverá muito desprezo e indignação.
19  Se bem parecer ao rei, saia da sua parte um edito real, e escreva-se nas leis dos persas e dos medos, e não se revogue, a saber: que Vasti não entre mais na presença do rei Assuero, e o rei dê o reino dela a outra que seja melhor do que ela.
20  E, ouvindo-se o mandado, que o rei decretara em todo o seu reino (porque é grande), todas as mulheres darão honra a seus maridos, desde a maior até à menor.
21  E pareceram bem estas palavras aos olhos do rei e dos príncipes; e fez o rei conforme a palavra de Memucã.
22  Então enviou cartas a todas as províncias do rei, a cada província segundo a sua escrita, e a cada povo segundo a sua língua; que cada homem fosse senhor em sua casa, e que se falasse conforme a língua do seu povo.

         Companheiras, que situação, heim!? O rei de cara cheia querendo exibir a rainha como se fosse um troféu, um objeto, querendo impressionar  a todos com a beleza da esposa. Ela se recusa. A julgar pela narrativa, parece que ela se ofende com o fato do rei não ir pessoalmente buscá-la, mas enviar os camareiros para isso. Então ela não vai. O marido, rei Assuero, de cara cheia, chama seus principais conselheiros, homens, todos de cara cheia e pergunta como agir numa situação daquelas. Seu principal conselheiro, que parece não gostar nenhum pouquinho da rainha, faz um discurso inflamadíssimo dizendo que a rainha precisava ser punida. Ele exagera, apela mesmo. Ele diz que a rainha não faltou com o devido respeito apenas com o rei, mas com todos os homens do império medo-persa, que a atitude da rainha pode gerar uma revolução feminina, que as mulheres daquele dia em diante não respeitariam mais seus maridos, e por aí vai até convencer o rei de que deveria destituí-la. E o rei assim faz.
            Não vejo na atitude de Vasti um desrespeito, uma rebelião, um ato de desobediência,  mas uma atitude de  auto-valorização. Talvez ela tenha mesmo se sentido um objeto, um troféu que seria exibido aquele monte de bebum, e resolveu abster-se. Normalmente, nos sermões que ouvimos sobre esta história, Ester é a fofa e Vasti a desobediente. Tudo bem que Ester seja a fofa, mas não há porque depreciar Vasti. Tudo bem, Ester não deu um golpe em Vasti, nada disso. Ela apenas inscreveu-se para um concurso cuja vencedora seria a nova rainha do império (esposa do rei). O posto já estava vago. Então, tudo bem, Ester é ficha limpa. Mas daí a depreciar Vasti, não concordo não. Eu sei que muitos homens de hoje fariam coro com os homens que estavam lá naquele banquete, com o Memucã, principal conselheiro do rei, apoiando a destituição de Vasti, tadinha. Ela devia ser uma gata mesmo, a julgar pela descrição que se faz, mas era uma pessoa, não uma boneca de luxo, um troféu, um objeto de conquista do rei, uma peça valiosa. Era gente, e gente tem características próprias, tem vontades próprias. E vamos combinar: Vasti tinha personalidade. Disse que não ia e não foi mesmo. Já devia estar de saco cheio desse tipo de comportamento do rei, de exibi-la como sua bela propriedade.
            Companheiros, a discordância da sua esposa não pode ser vista como um ato de desobediência, e sim como uma expressão de sua opinião pessoal, de sua vontade. Deve ser muito chato você conviver com uma pessoa que concorda com tudo  o que você propõe, que faz tudo o que você diz, que aceita todas as suas normas, que nada  questiona, que diz sim para tudo, que faz tudo o que você gosta, que atende todos os seus caprichos. Bacana mesmo são os debates, as discussões que enriquecem, as discordâncias que amadurecem. Não estou falando de brigas não, de ofensas, de coisas parecidas, estou falando de pessoas diferentes convivendo, e o convívio exige negociações constantes e não determinações constantes. O pitizinho de Assuero não tem o menor cabimento. O problema é que em todas as sociedade que conhecemos os homens sempre mandaram no pedaço e sempre consideraram um ato de desobediência atitudes como esta de Vasti, e por deterem o poder, como é o caso de Assuero, não poderiam deixá-las impunes diante de tal “insulto”.
            É claro que temos que nos orgulhar de nossos cônjuges, de achá-los bonitos quando isso for verdade ou quando estivermos apaixonados, ou as duas coisas, mas não é justo tratá-los como um objeto fofo que conquistamos; é uma pessoa que conquistamos e que nos conquistou, e que normalmente, graças a Deus, têm opiniões diferentes das nossas. Então temos que administrar isso e não subjugar  o outro.

COM QUEM NOS ACONSELHAMOS?

            Os conselheiros de Assuero, especialmente o Memucã (bem feito, tem um nome feio) botaram muita lenha na fogueira e ainda jogaram uma gasolinazinha para garantir. Como eles eram os “sábios” do império, o bebum do Assuero seguiu seus conselhos. Amor nesses casos não era levado em conta, quando existia; o que determinava as ações era o poder, a manutenção do poder, o ter sido “desafiado”. Um conselheiro do bem poderia ter dito: “ela pode estar indisposta; se você for lá pessoalmente, de repente ela vem.” Queridos e queridas, precisamos ter cuidado quanto a escolha das pessoas com quem nos aconselhamos. Alguns conselheiros podem nos levar a atitudes precipitadas das quais nos arrependeremos terrivelmente mais tarde. Um conselheiro precisa ser sensato, equilibrado, ajudar o aconselhado a observar o caso em questão sob vários ângulos, e nunca, simplesmente botar lenha na fogueira, valorizar o incêndio.


A COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES DE PODER

            Diferente da relação entre Assuero e Vasti, uma relação conjugal precisa ter como base o amor e não o poder, a negociação e não a determinação de uma das partes. Aquela antiga fala dos nossos avós, “aqui quem manda sou eu”, precisa ser completamente esquecida.
            Quando se tem filho, a decisão de um dos pais, presente em determinada cena que exija uma atitude imediata, precisa ser respeitada pelo outro, mesmo que discorde, mesmo que ache exagerada ou muito amena para a situação. Essa discussão de discordância ou aceitação da medida tomada pelo outro precisa ser feita na ausência do filho, e mesmo discordando, deve ser apoiada diante dele a decisão do outro ou, se houver uma negociação entre os dois e chegarem a uma conclusão de que a “sentença” pode ser mudada, que essa mudança seja anunciada pelo mesmo que a tomou; do contrário, o que estava ausente no momento do acontecimento vai ser o bonzinho da história, e o que estava presente será o monstro.
            As relações de poder familiar precisam ser bem articuladas, o diálogo precisa estar presente em todo momento, e nada de interpretar qualquer coisinha como um ato de rebelião, de desobediência total. Ah, e cuidado com os conselheiros.

VASTI  E ESTER

            Não conheço nenhum fato que desabone a conduta de Ester. Como disse, ela é ficha limpa e é fofa, além de uma heroína israelense. Quanto a Vasti, no episódio estudado, também não vejo nada que a desabone. Vejo uma imensa injustiça na destituição da bichinha. Conheço muito pouco de sua história, apenas este episódio narrado no livro de Ester, e aqui vejo apenas uma mulher que não quer ser exposta como objeto de conquista. Portanto, acho as duas  fofas. Será que para Ester entrar em cena Vasti precisava mesmo ser destituída da forma que foi?